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Bonifácio trabalhava no ministério. No ministério de que todos
falavam. Ele era os jornais, ele eram os programas de debate na televisão, os
homens e mulheres de todas as idades e condições sociais que apanhava a falar
nas ruas. Bonifácio deixara de ser contínuo. Andou por lá, a fazer os fretes
aos assessores e aos funcionários de carreira, vinte longos anos. Aprendeu a
ser observador. Estava no andar onde o ministro tinha gabinete. Conviveu com
vários ministros naqueles anos de economato, serviço de cafés, diligente
abertura de portas e genuflexões como mandam os costumes. Conheceu feitios
diferentes nesses ministros. Uns afáveis, outros com peneiras, outros tão
altivos que faziam questão de o tornar irrelevante. Mas o Bonifácio subiu a
escada das novas oportunidades que plantaram o conhecimento. Um ministro tomou
conhecimento do seu caso. Convenceu-o ao tirocínio da universidade:
- “ó homem, andam por aí
tantas cavalgaduras emproadas, asneirentos do saber que julgam ter, que você
não deslustrava. Só lhe falta o canudo.”
Bonifácio não percebeu que o ministro se servira do sarcasmo e
que, com o propósito de amesquinhar subordinados e adversários (o clima no
ministério era de guerrilha), o meteu na mesma cartilha. Em vez de discernir o
apoucamento, Bonifácio meteu os pés ao caminho e três anos depois estava de
canudo universitário na mão. Subiu no ministério, deixara de ser contínuo. Uma
ascensão vertiginosa: de um gabinete de estudos passara para o gabinete dos
assessores do ministro. Tinha um método infalível. Espiava os colegas, com a
ajuda de um pirata informático amigo. Nas reuniões onde se cozinhavam os
miolos, jogava em antecipação aos outros assessores. O ministro começou a apreciar
as suas qualidades. Aos seus botões, Bonifácio chamava a tática do buraco da
fechadura. Um dia, saía do ministério, garboso do alto do seu fato dispendioso,
deu de fuças com o ministro que lhe prognosticara sucesso universitário sem
imaginar que Bonifácio seria capaz. Estendeu-lhe a mão e o antigo ministro ficou
atónito a olhar para ele.
- “Conheço-o de algum lado?”
- Ao que Bonifácio retorquiu “se
a memória não deixa, digo-lhe eu: do buraco da fechadura onde lhe espiava, ali
no ministério, os segredos todos”.
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