In https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgM5E_Y1sdz_FLkS08qQ-CZHmW65_wEYqR78hYLWf2tdOt6TtaznifESdmE3US0ITVQZlXwdcr4V6glOb97BmT9Kylblbspl5FJ1FxOXZRLRy59Kpg1zDrSll-W_6YemKQ1fJ00/s1600/dedo-duro.png
Eram todos julgadores. Uns dos outros.
Afivelavam padrões morais, a lupa de detetive sempre à espreita do primeiro
pecadilho dos outros. Andavam todos de dedo em riste a pavonear superioridade
moral, como se houvesse como objetivar a moral. Nestes tempos atribulados,
parecia que a lucidez era só uma lembrança do passado. As palavras
embaciavam-se, perdiam sentido. Certas palavras, aquelas que importavam para os
padrões assertivamente alinhavados pelos guardiões (que eram todos), estalavam
cruas na boca. Mais pareciam ininteligíveis palavras de um idioma exótico. E,
contudo, por entre as margens destes tempos conturbados, havia quem
transgredisse. Talvez não suportassem ser juízes uns dos outros. Ou talvez
estes tempos, para além de conturbados, eram o lídimo espelho dos ardilosos. A
desconfiança berrava aos ouvidos de todos que se ultrajavam ao quererem ser
penhores de uma superioridade qualquer. No dia em que um deles dava o flanco e
mostrava uma humanidade que rareava naqueles tempos amotinados, praticando a
antítese dos julgamentos que ostentara, os restantes atiçavam os mastins.
Atacavam em alcateia, os dentes espumando raiva medonha. Era a desgraça para quem
se entregara à fraqueza. Não havia lugar ao perdão. Eram julgamentos sumários,
perigosamente sumários, sem audição daquele que tinha fraquejado. Aos demais, a
vã glória de partilharem os despojos feitos em cima da desgraça do frágil ser.
Julgavam que se enchiam de forças à medida que denunciavam os feitores dos
males assim julgados. À desconfiança, juntara-se um odor pestífero a delação.
Lá em cima, os mandantes precisavam de informações para depurar a colmeia. Os
entes podres eram emparedados numa quarenta. À noite, os delatores dormiam com
a consciência toda, tanta a apoplexia dos sentidos. A sede de recompensa fora a
entorse das acusações. E dos julgamentos sumários, uns atrás dos outros. Uma
epidemia incurável. Não demorou a que não sobrasse ninguém. Eram os juros
demorados da sofreguidão por recompensas, a grotesca traição até dos mais
próximos.
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