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Comício às hostes. O camarada
secretário-geral profere oratória aos militantes. Na sua retaguarda, cinco
camaradas ostentando caras medonhas. Todos já passados da meia idade. Todos de
braços cruzados à altura do peito, a pose grave a quadrar com a gravidade da
crise que se abateu. Nenhum dos camaradas esboça ar feliz. Não se sabe se a
pose é estudada, aquele ar circunspecto a sinalizar as dificuldades por que o
bom povo passa no açambarcamento ditado pelos invasores estrangeiros. A pose
grave como imperativo da solidariedade com o povo (ou só para atrair simpatias,
que as votações têm andado em linha com a míngua herdada da crise). Ou não se
sabe se o aspeto aterrador é genético, penhor do que os camaradas são
instruídos na educação pela cartilha. O camarada secretário-geral puxou da
ironia para apoucar os inimigos do povo. Saiu-lhe figura de estilo previsível.
Quatro dos cinco camaradas do comité central que faziam retaguarda coletiva
continuaram impassíveis. Um deles, porventura distraído da cartilha (apesar de
atento à oratória do líder), esboçou um sorriso, tal como nos é dado a fazer
quando apanhamos os cacos de uma pilhéria por humorista de qualidade. Afinal há
camaradas que conseguem descascar da pose envernizada. Têm sentimentos e
reações, como as pessoas menos dadas ao pretérito da educação formatada para o
cárcere da disciplina mental interior. Ele há camaradas que não resistem à
venalidade do humor burguês. (Que o humor, na sua forma barata tão própria do
chinelo que escorrega para a vulgaridade, é burguês. Os burgueses são tutores da
estética do mau gosto.) Conjeturava sobre o degredo fadado ao camarada que saiu
das amarras da pose obrigatória detrás do camarada secretário-geral, quando de
um lapso dei conta: quando for escritor afamado, nunca o acharei de ser. Escritor
que se preze não cuida de escarnecer dos camaradas nem do respetivo partido.
Pois não é adquirido que eles são os marcadores diletos do que é estético
admitir nas artes? Vão lá permitir que alguém ensaie sarcasmo com uma reunião
magna do partido. É como a religião: não se brinca com coisas sérias. Quem o
ousar em forma de palavra, destinado a ser autor de fraca literatura.
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