29.10.12

Os rostos sorumbáticos dos camaradas do comité central dão má literatura


In http://www.pcp.pt/system/files/images/bandeiras_comunistas.jpg
Comício às hostes. O camarada secretário-geral profere oratória aos militantes. Na sua retaguarda, cinco camaradas ostentando caras medonhas. Todos já passados da meia idade. Todos de braços cruzados à altura do peito, a pose grave a quadrar com a gravidade da crise que se abateu. Nenhum dos camaradas esboça ar feliz. Não se sabe se a pose é estudada, aquele ar circunspecto a sinalizar as dificuldades por que o bom povo passa no açambarcamento ditado pelos invasores estrangeiros. A pose grave como imperativo da solidariedade com o povo (ou só para atrair simpatias, que as votações têm andado em linha com a míngua herdada da crise). Ou não se sabe se o aspeto aterrador é genético, penhor do que os camaradas são instruídos na educação pela cartilha. O camarada secretário-geral puxou da ironia para apoucar os inimigos do povo. Saiu-lhe figura de estilo previsível. Quatro dos cinco camaradas do comité central que faziam retaguarda coletiva continuaram impassíveis. Um deles, porventura distraído da cartilha (apesar de atento à oratória do líder), esboçou um sorriso, tal como nos é dado a fazer quando apanhamos os cacos de uma pilhéria por humorista de qualidade. Afinal há camaradas que conseguem descascar da pose envernizada. Têm sentimentos e reações, como as pessoas menos dadas ao pretérito da educação formatada para o cárcere da disciplina mental interior. Ele há camaradas que não resistem à venalidade do humor burguês. (Que o humor, na sua forma barata tão própria do chinelo que escorrega para a vulgaridade, é burguês. Os burgueses são tutores da estética do mau gosto.) Conjeturava sobre o degredo fadado ao camarada que saiu das amarras da pose obrigatória detrás do camarada secretário-geral, quando de um lapso dei conta: quando for escritor afamado, nunca o acharei de ser. Escritor que se preze não cuida de escarnecer dos camaradas nem do respetivo partido. Pois não é adquirido que eles são os marcadores diletos do que é estético admitir nas artes? Vão lá permitir que alguém ensaie sarcasmo com uma reunião magna do partido. É como a religião: não se brinca com coisas sérias. Quem o ousar em forma de palavra, destinado a ser autor de fraca literatura.

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