19.10.12

Profissão: ativista


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Acordo quando calha. Não há agenda que me valha. Os relógios são todos da mesma igualha. E eu, que combato pela justiça social, que arqueio o corpo pelas causas que arremetem contra os porcos capitalistas, se preciso junto-me à maralha. Sempre é preferível àquela gentalha. A do capitalismo frenético, que corrompe os governos e os convence a descer a ira com impostos e mais impostos onde o povo arde em fornalha. Não vos digo de onde vêm os meus réditos, para não dar corda à estardalha. Chegam para o apartamento partilhado, a comida biológica, os andrajos com que me orgulho de aparecer na pantalha. Sou ativista, leio e penso muito, mas apenas as páginas que me cheirem à liberdade de que eu gosto, não leio palha. Ando com o “Liberdade” do camarada Sérgio Godinho em constante audição intelectual, fujo da música que abestalha. Excito-me com a arte experimental, o teatro de rua que provoca transeuntes, a pintura em murais que desafiam a propriedade privada e a performance que baralha. Já atirei ovos podres a ministros, já parti montras de lojas multinacionais, já cravei punhais em pneus de luxuosos automóveis, cuspo para o chão quando me cruzo com um engravatado, detesto essa canalha. E de uma vez, em transe, fui às escadas do parlamento e ao ver aquele deputado tão apessoado atirei-lhe com uma molhada toalha. Conspiro com os meus companheiros contra os vícios do sistema que asfixia os desvalidos enquanto enrolo a mortalha. Saio à rua e picho as paredes com ares de revolução, pinto a manta e finto a polícia, voo estouvada de rua em rua em pose de pirralha. Vou às manifestações todas, as dos sindicatos e as que têm o selo independente, protesto, vocifero, aplaudo, levanto os braços, percuto as panelas e, se preciso for, mostro as maminhas despojando-me da vitualha.

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