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Não é epitáfio a Manuel António Pina,
que partiu há dias. Ou epitáfio tardio a Eugénio de Andrade, T. S. Eliot, Jorge
Luiz Borges, Pablo Neruda, W. B. Yeats ou Jean Cocteau. Nem epitáfio a todos os
poetas defuntos que viviam com gatos, que faziam questão em surgir emparelhados
com gatos. É, talvez, uma modesta ilação. Que há poetas que trazem de perto a
inspiração de gatos. Como se os animais tivessem um dom que se transmite aos
poetas, um sossego que alimenta a amálgama de estrofes que os poetas seus
tutores compõem. Se calhar, os gatos é que são os tutores dos poetas. Eles, que
cultivam a independência, ensinam a maior das liberdades – a liberdade de
espírito. Os gatos são os donos do tempo dos afetos. Às pessoas é inútil forjar
afetos quando a vontade dos gatos não quadra. E o que tem isto a ver com os
poetas? Tudo. Não são eles os espíritos desassombrados? Não se encavalitam em
promontórios alcantilados porque a monotonia corta cerce e vem a convocatória
do desassossego? Não são os poetas os espíritos embebidos na mais densa
liberdade (a de espírito)? Os poetas não arqueiam o corpo perante os dias que
são iguais. É como se alguém lhes partisse a espinha, metendo as suas mãos
dentro de algemas que impedissem a escrita. Aos gatos – aos gatos que não têm
pergaminhos caseiros, aos que não foram domados pela preguiça do conforto – não
há quem os sitie entre quatro paredes. Saltam jardins, espreitam entre a nesga
de uma janela entreaberta, investigam os lares que desconhecem. Esquadrinham os
jardins, aventuram-se nos bosques, às vezes cismam viagens que os levam para
longe. Os olhos vivaços de um gato são como a pena acutilante do poeta. Aquela
que decanta os sentidos caóticos e os transforma em palavras, ora dóceis, ora
enfurecidas, em estrofes prisioneiras (ou não) de métricas e rimas. Aos gatos,
como aos poetas, a ausência de regras como leito de uma anarquia sem impurezas.
E sim, os poetas é que são como os gatos.
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