In http://www.fotosbonitas.com.br/wp-content/uploads/2011/09/montanha-de-pedra.jpg
Subo. Se houver sacerdotisas
exorcizando os fantasmas alheios. Subo. Se os aromas regressarem ao santuário
pituitário de onde nunca se deviam ter ausentado. Subo. Se os tubarões saírem
do aquário onde nidifica a sua zona de conforto e terçarem com as mesmas armas
dos desprotegidos de qualquer divino conhecimento. Subo. Se os meirinhos da
desonestidade intelectual vierem a público bater no peito em jeito de pessoal
contrição. Subo. Se os tutores da moralidade, de qualquer moralidade, agendarem
pregação para freguesias distantes (que esta precisa de uma cura de moralistas,
para os fumigar no recobro de onde partiram as moralidades todas). Subo. Se os
arquitetos do tempo deixarem de o aprisionar em seus egoístas relógios. Subo.
Se as marés vierem enfeitadas com uma espuma astuta, a insinuação dos prazeres
que se não atemorizam diante de tabus militantes. Subo. Se os cabos que fedem,
por coação das mentes pastoreadas pelas eiras sedosas e, todavia,
desinteressantes, se afogarem nas ondas alterosas que os abraçam. Subo. À mais
alta das montanhas. Só para desenhar no céu, com os dedos enregelados, os
desejos em forma de palavra. Imortalizando-os nem que seja até à próxima vez que
deixem de ter serventia. Subo. Só para abrir os pulmões ao vento enraivecido
que alisa as arestas do promontório. Só para escutar o que dizem os montes
encadeados, os poemas sibilados pela fúria da ventania que repousa nos sopés
alinhados no fio do horizonte. Subo os montes todos, derroto o cansaço que vier.
Transgrido, se preciso for, os limites da exaustão. Só para dedilhar os
azulejos do porvir, sem saber que os amanhãs são encantamentos vazios se os
dias que são hoje forem desgastados em esperas inúteis. Mas subo. Subo até ao
alto que houver, ao alto mais alto, que nem seja só o alto de mim. E então,
altivo, sinaleiro serei dos dias presentes que se compõem no estuário do tempo.
A combustão dos sentidos ensinará que os tempos que não são pertencem à
inutilidade que não pode haver.
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