3.10.12

Subo à montanha


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Subo. Se houver sacerdotisas exorcizando os fantasmas alheios. Subo. Se os aromas regressarem ao santuário pituitário de onde nunca se deviam ter ausentado. Subo. Se os tubarões saírem do aquário onde nidifica a sua zona de conforto e terçarem com as mesmas armas dos desprotegidos de qualquer divino conhecimento. Subo. Se os meirinhos da desonestidade intelectual vierem a público bater no peito em jeito de pessoal contrição. Subo. Se os tutores da moralidade, de qualquer moralidade, agendarem pregação para freguesias distantes (que esta precisa de uma cura de moralistas, para os fumigar no recobro de onde partiram as moralidades todas). Subo. Se os arquitetos do tempo deixarem de o aprisionar em seus egoístas relógios. Subo. Se as marés vierem enfeitadas com uma espuma astuta, a insinuação dos prazeres que se não atemorizam diante de tabus militantes. Subo. Se os cabos que fedem, por coação das mentes pastoreadas pelas eiras sedosas e, todavia, desinteressantes, se afogarem nas ondas alterosas que os abraçam. Subo. À mais alta das montanhas. Só para desenhar no céu, com os dedos enregelados, os desejos em forma de palavra. Imortalizando-os nem que seja até à próxima vez que deixem de ter serventia. Subo. Só para abrir os pulmões ao vento enraivecido que alisa as arestas do promontório. Só para escutar o que dizem os montes encadeados, os poemas sibilados pela fúria da ventania que repousa nos sopés alinhados no fio do horizonte. Subo os montes todos, derroto o cansaço que vier. Transgrido, se preciso for, os limites da exaustão. Só para dedilhar os azulejos do porvir, sem saber que os amanhãs são encantamentos vazios se os dias que são hoje forem desgastados em esperas inúteis. Mas subo. Subo até ao alto que houver, ao alto mais alto, que nem seja só o alto de mim. E então, altivo, sinaleiro serei dos dias presentes que se compõem no estuário do tempo. A combustão dos sentidos ensinará que os tempos que não são pertencem à inutilidade que não pode haver.

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