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- Deixa as convenções à porta. Que
serventia têm elas? Sabes? Elas são como um parafuso envenenado que te entra
pelo pensamento. Subtraem-te o pensamento e depois sobra-te ser autómato. E o
pior é que os autómatos nunca se admitem como tal.
- Mas...mas, do que falas?
- Dessa tua mania. A do outono em que
medra a tristeza. E do rosário de banalidades que vêm a seguir: as folhas
caídas que sinalizam as árvores no seu estertor, os dias que se encurtam e só
voltam a crescer quando o outono se despede, o vento desengonçado que escangalha
umas árvores, a chuva que convida ao sedentarismo.
- Mas, o outono não é isso?
- O mal não está em o outono ser isso,
o seu contrário, ou uma outra coisa qualquer. O mal és tu e os outros como tu,
como vociferam o anátema do outono.
- Não admites que as folhas caducas a
fazerem o leito do chão, o vento que causa apoquentações, os dias passados pelo
coador da luz embaciada, os dias que se encolhem como se eles mesmos se
intimidassem com os elementos adversos, o outono em presságio de hibernação –
não admites que as pessoas se abriguem na nostalgia e maldigam o outono?
- Não. É só mudares a lente por onde
fazes a observação aziaga do outono. Uns olhos metidos no ferrolho das
convenções ignoram o lado contrário, o lado escondido, do outono. És dos que se
anestesiam com a cortina de fumo arremessada aos olhos.
- E qual é ele, o lado escondido do
outono?
- O sortilégio das cores. Alguma vezes
notaste nas cambiantes dos castanhos em que se decompõem as folhas caducas,
como fazem a transfiguração do vermelho desmaiado para o acobreado? Já alguma
vez estiveste diante do mar quando uma tempestade entra em terra com a sua
fúria? Já reparaste na luminosidade que só existe no outono, como ela é
singular? Já contemplaste os castanheiros quando se ensaia o desprendimento da
folhagem, como completam uma mancha admirável, como se um artista plástico
tivesse pintado a paisagem durante a madrugada? Já experimentaste caminhar na
rua à chuva, mesmo quando a chuva nos assalta à mercê do vento furioso? Já
tentaste perceber que se continuas agarrado aos usos estabelecidos não
conseguirás ver com os olhos diferentes o que os olhos habituais encerram no
espartilho das convenções? Essa é a beleza do outono. Assim como assim,
deixemo-la continuar a ser estação maldita.
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