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Dizias: vou-me à vida como um
forcado numa pega de caras. Atiro-me a ela com toda a fúria como se soubesse ser
o dia sobrante. Era como se não houvesse futuro, ou como se os amanhãs por vir
não interessassem a não ser quando se fizessem hoje. Os mais próximos lembravam
que eras perito nos renascimentos para memória futura. Fizeras planos para
mudar como se na alvorada seguinte, depois de um sono conselheiro, tudo ficasse
transformado mercê de uma varinha de condão pousada nas tuas mãos por um mago
qualquer. Insistias. O agora era sempre diferente. E dantes houvera tantos
agora. Mas os agora que pertenciam ao tempo pretérito foram ensaios para uma
oportunidade que revisitavas como se as anteriores tivessem sido banidas da
memória. Eras um asceta do tempo que te pertencera e entretanto ficara
património do vazio.
Fazias: as resoluções
revolucionárias, aquelas que descompunham a existência de cima a baixo, vindo
das cinzas um novo esplendor que haveria de tudo reerguer na sua diferença. Era
quando os pés aterravam em solo firme e notavas que o chão era acidentado e
áspero, uma dolorosa avenida onde as ilusões se cindiam em pequenos nadas à
medida que as resoluções esbarravam na sua impossibilidade.
Voltavas à casa da partida:
esboçavas outra bissetriz para o tempo vindouro. Como dantes, e tantos dantes
houvera, neste agora seria a rosa dos ventos por fim prometida. Não aprendias
que os planos sequestrados pelo mimetismo eram cadastro com adiamento das
consequências. Talvez fosses asceta do tempo e em ti a história, a tua pessoal
história, fosse esquecida mal se entronizava história, assim inabitada. Rodavas
em círculos. O esquecimento impedia de reconheceres os lugares de outrora a que
o fado desvairado compelia num regresso que julgavas ser nova casa da partida. Diziam
que persistias numa realidade vertical, um mundo paralelo ao que habitavam os
demais mortais. Sitiado pela insanidade, acusavas os demais de serem reféns da
verticalidade que te imputavam. Eles, e não tu, estavam anestesiados por um
medonho faz de conta que não se intuía como simulacro que era.
Reformulavas, enfim: haveriam
de ser tantos os sobressaltos, tantos os regressos bastardos, que um dia as
cicatrizes do corpo acusaram a demência que frequentaras. Olhavas ao espelho, contavas
as cicatrizes uma a uma como mapa dos sobressaltos de outrora. O estado geral
de esquecimento não deixava lembrá-los. Deposto perante o tempo que se
ausentara das memórias e os sempre que ficavam à míngua à medida do tempo
passante, aportaste na resolução que devias ter aprendido dantes. Não
importavam as promessas que viriam debruar o fado à espera de o ser. Não
importavam as alcateias de vozes sussurrantes que enchiam o horizonte com os
imponderáveis deixados lá atrás. Não importava resgatar as memórias
sequestradas pelo medo, ou propositadamente metidas em formol a pretexto de não
reavivar tempos idos tão cheios de mácula. O que importava era pegar de caras o
tempo que viesse pela frente. Esperar por ele e pegá-lo de caras. Em vez de te
adiantares ao tempo e o afeiçoar, como se fosse possível seres tutor dos amanhãs.
Já seria uma diferença a
fazer a diferença.
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