31.7.13

O mar inteiro nas mãos


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De onde uma madrugada descobre um vulto reacendido. Já não as ácidas águas aspergidas por chuvas tresmalhadas. Já não o ocre matinal embaciando o sol renegado. Nessa madrugada altiva, o ar compôs-se de uma leveza singular. As flores, com uma cor ímpar. O corpo, de uma leveza que, dir-se-ia, o faria tremular nas díspares nuvens que se ofereciam novelos de lã para os pés repousarem nas alturas do céu.
A madrugada inaugurada pela bruma, à medida que a maresia esbarrava suavemente no rosto, os olhos fechando-se e convocando um solitário remoçar. As rochas crestadas pelas marés agrestes testemunham a alvorada que vem devagar, como se a noite não tivesse pressa em partir e a luz macia se demorasse em sua substituição. Podia ser presságio: não havia o pensamento de ser temente das coisas apressadas, que se desfazem em ruínas com o estrépito da estouvada empreitada. As águas do mar também se demoram quando empreendem viagem ao outro lado do oceano.
Os olhos fechados, chamando pelo sol nascente, metiam o corpo inteiro mar adentro. Vogavam num instante, sulcando marés e ondas temíveis, não se barricando nas correntes que cavavam as fronteiras dos mares. Os olhos foram ao outro lado do oceano e voltaram. Plenos mas evanescentes, radiosos mas cultores de sombras que hasteiam desacertos. Quando aportaram no lado da partida viram umas mãos cheias, as mãos próprias. Mãos cheias como os olhos marejados nunca imaginaram. As mãos traziam o mar inteiro, as suas cambiantes geográficas, as diferentes temperaturas, as cores que açambarcava, as paisagens desenhadas ora por tempestades que nem no seu gigante remoinho embaraçaram a coragem, ora pelo mar chão e entediante. As mãos vinham cheias, férreas, ungidas pelo mar inteiro como lastro.
As mãos vinham inteiras. Erguiam-se para o horizonte e mexiam no céu, trazendo o sol nascente do seu noturno torpor. À força do mar de fundo condensado nas mãos, elas, com um movimento firme, ordenaram ao sol que se pusesse no céu. Que assim se tingia com a luz clara que despojava o breu que fora noite. As mãos deitavam-se na areia molhada onde tomavam revivescência do mar inteiro que nelas fora depositado.
Já não havia inquietações que coalhassem o sono. E as mãos, tão cheias pelo mar inteiro nelas sequestrado, irradiavam o encanto que perfumava o sorriso dos outros. 

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