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De onde uma madrugada
descobre um vulto reacendido. Já não as ácidas águas aspergidas por chuvas
tresmalhadas. Já não o ocre matinal embaciando o sol renegado. Nessa madrugada
altiva, o ar compôs-se de uma leveza singular. As flores, com uma cor ímpar. O
corpo, de uma leveza que, dir-se-ia, o faria tremular nas díspares nuvens que
se ofereciam novelos de lã para os pés repousarem nas alturas do céu.
A madrugada inaugurada pela
bruma, à medida que a maresia esbarrava suavemente no rosto, os olhos
fechando-se e convocando um solitário remoçar. As rochas crestadas pelas marés
agrestes testemunham a alvorada que vem devagar, como se a noite não tivesse
pressa em partir e a luz macia se demorasse em sua substituição. Podia ser
presságio: não havia o pensamento de ser temente das coisas apressadas, que se
desfazem em ruínas com o estrépito da estouvada empreitada. As águas do mar
também se demoram quando empreendem viagem ao outro lado do oceano.
Os olhos fechados, chamando
pelo sol nascente, metiam o corpo inteiro mar adentro. Vogavam num instante,
sulcando marés e ondas temíveis, não se barricando nas correntes que cavavam as
fronteiras dos mares. Os olhos foram ao outro lado do oceano e voltaram. Plenos
mas evanescentes, radiosos mas cultores de sombras que hasteiam desacertos. Quando
aportaram no lado da partida viram umas mãos cheias, as mãos próprias. Mãos cheias
como os olhos marejados nunca imaginaram. As mãos traziam o mar inteiro, as
suas cambiantes geográficas, as diferentes temperaturas, as cores que
açambarcava, as paisagens desenhadas ora por tempestades que nem no seu gigante
remoinho embaraçaram a coragem, ora pelo mar chão e entediante. As mãos vinham
cheias, férreas, ungidas pelo mar inteiro como lastro.
As mãos vinham inteiras. Erguiam-se
para o horizonte e mexiam no céu, trazendo o sol nascente do seu noturno torpor.
À força do mar de fundo condensado nas mãos, elas, com um movimento firme,
ordenaram ao sol que se pusesse no céu. Que assim se tingia com a luz clara que
despojava o breu que fora noite. As mãos deitavam-se na areia molhada onde
tomavam revivescência do mar inteiro que nelas fora depositado.
Já não havia inquietações que
coalhassem o sono. E as mãos, tão cheias pelo mar inteiro nelas sequestrado,
irradiavam o encanto que perfumava o sorriso dos outros.
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