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(Porque hoje apetece ir
contra a maré.)
Somos todos, os que avaliamos
os outros, possuidores de dotes de análise que nos colocam numa altiva posição?
Acontece amiúde e em vários domínios. O olhar impiedoso abate-se sobre quem
governa (ou sobre quem se oferece como oposição), sobre quem avalia
conhecimentos e produz ciência, sobre artistas de cuja arte somos
destinatários, ou sobre personagens que campeiam na praça pública com dotes
opinativos, etc. A vulgata da democracia é o tudo que se vulgariza, a começar
na palavra e a terminar na opinião. Longe de mim requisitar os serviços do
oposto da democracia, que qualquer totalitarismo encerra o pior dos males que é
a negação da tolerância, da palavra, da opinião.
A altivez devolve-nos à
humildade, pois o corpo não pode adejar sempre sobre o chão que reclama a
presença dos pés. Às vezes esbarro em excessos de sobranceria quando os que têm
lugar na praça pública são apoucados. A arrogância faz o resto. A palavra
escorrega para o implacável, como se os que passam pelo filtro da (pessoal)
avaliação tivessem andado numa escola para gente ignorante e se tivessem
especializado em incompetência. Admito que há personagens que cativam
irritações pessoais, altura em que as palavras podem vir contaminadas por irracionalidade.
E admito que todas as pessoas acima exemplificadas oferecem as suas melhores
capacidades quando estão ao serviço de um desígnio (seja a governação, a
oposição, o que se ensina, a ciência que se produz, a arte que se faz, a
opinião em letra de forma, etc.). Eis a contrição que reclama o seu lugar: há
exageros alimentados pela irritação, na fervura do momento que incendeia a
palavra agreste, o abespinhamento, a desconsideração de quem se fala. A
arrogância é um punhal em forma de boomerang.
E sinal de que não somos capazes de nos vermos ao espelho.
Mesmo quando a altivez levita
ao seu expoente máximo para que alguém diga, com falsa compaixão, “coitados,
dão tudo, mais não sabem”, há um processo de intenções que devia merecer
reconsideração ao deitar. Pergunto-me, agora que por querer ir contra a maré me
apeteceu ensaiar esta contrição: e nós, os que temos (ou julgamos ter) esta
pena tão exigente, que parecemos tão acima dos que são desdenhados pela nossa
elevada capacidade de análise e exegese, será que estamos num patamar mais
acima que caucione tanta prosápia.
Talvez não admitimos que difícil
seria se nos expuséssemos ao esgar público que é o nosso. Duvido se tão afiada
pena não é um veículo de covardia.
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