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Timoratos, os principiantes
descem à rua. Sozinhos, pela primeira vez. São deixados à mercê da tenacidade
da cidade agitada, com as pessoas que passam na sua pressa, indiferentes ao temor
dos principiantes. Não conhecem as ruas, a não ser vagamente quando andavam em
passeios lúdicos pela mão dos progenitores.
Um grito rouco vindo do
interior sobe pelas veias. Manda dizer que não podem mostrar que são carne
tenra, principiantes que descobrem a luz tácita das ruas sem estarem tutelados
pelos ascendentes. Não podem mostrar que parecem estranhos em idade tão
precoce, que o mundo lá fora está grávido de almas que não hesitam em
malfeitorias, mesmo quando as malfeitorias são apedrejadas pelo sentir
coletivo. Os principiantes libertam-se do pavor inicial, misturam-se com a
multidão, aprendem com os seus gestos. Ninguém, à sua volta, sabe que são anjos
que choram por dentro, toda a pungência estremunhada na exata medida da neófita
acareação com o mundo lá fora.
Os principiantes parece verem
esqueletos andantes. Não decantam as cores do vestuário que intoxica a nudez
dos corpos. As casas são todas lojas. Vistosas, coloridas, com vendedoras que
simulam sorrisos adestrados para a sedução dos clientes. Sorrateiro, um
indivíduo baixo, enfiado num largo sobretudo, mete a mão a três maçãs naquela
mercearia que tinha anúncio tosco, garatujado decerto por mãos trémulas,
advertindo “não mexer nos tomates” e
de tomates nem vê-los. Passam meninas da mesma idade dos principiantes, mas deviam
já não o ser, tão estouvadas e corredoras sulcavam as artérias apertadas.
Um dos principiantes
encontrou uma garrafa a boiar no pequeno lago que era cama de uma estátua. Um
instinto, fermentado na espuma da genética, sussurrou ao entendimento que os
mortais dizem que as garrafas boiantes enclausuram segredos depositados por
marinheiro longínquo. Não seria o caso, que o fio de água era finito e a
superfície alagada não chegava para que o depositante da garrafa fosse longe (e
de longe). O principiante tomou a garrafa nas mãos, com a testemunhada
incredulidade dos demais principiantes que ali tinham aportado. Com esforço,
desabotoou a rolha apodrecida. Um papel húmido, amarelecido e encarquilhado
oxigenou-se depois da rolha descartada. A tinta desbotada ainda deixava ler o
segredo que deixava de estar escondido: “principiantes
que por aí andais, isto é uma selvajaria.”
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