2.7.13

O rumor dos principiantes


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Timoratos, os principiantes descem à rua. Sozinhos, pela primeira vez. São deixados à mercê da tenacidade da cidade agitada, com as pessoas que passam na sua pressa, indiferentes ao temor dos principiantes. Não conhecem as ruas, a não ser vagamente quando andavam em passeios lúdicos pela mão dos progenitores.
Um grito rouco vindo do interior sobe pelas veias. Manda dizer que não podem mostrar que são carne tenra, principiantes que descobrem a luz tácita das ruas sem estarem tutelados pelos ascendentes. Não podem mostrar que parecem estranhos em idade tão precoce, que o mundo lá fora está grávido de almas que não hesitam em malfeitorias, mesmo quando as malfeitorias são apedrejadas pelo sentir coletivo. Os principiantes libertam-se do pavor inicial, misturam-se com a multidão, aprendem com os seus gestos. Ninguém, à sua volta, sabe que são anjos que choram por dentro, toda a pungência estremunhada na exata medida da neófita acareação com o mundo lá fora.
Os principiantes parece verem esqueletos andantes. Não decantam as cores do vestuário que intoxica a nudez dos corpos. As casas são todas lojas. Vistosas, coloridas, com vendedoras que simulam sorrisos adestrados para a sedução dos clientes. Sorrateiro, um indivíduo baixo, enfiado num largo sobretudo, mete a mão a três maçãs naquela mercearia que tinha anúncio tosco, garatujado decerto por mãos trémulas, advertindo “não mexer nos tomates” e de tomates nem vê-los. Passam meninas da mesma idade dos principiantes, mas deviam já não o ser, tão estouvadas e corredoras sulcavam as artérias apertadas.
Um dos principiantes encontrou uma garrafa a boiar no pequeno lago que era cama de uma estátua. Um instinto, fermentado na espuma da genética, sussurrou ao entendimento que os mortais dizem que as garrafas boiantes enclausuram segredos depositados por marinheiro longínquo. Não seria o caso, que o fio de água era finito e a superfície alagada não chegava para que o depositante da garrafa fosse longe (e de longe). O principiante tomou a garrafa nas mãos, com a testemunhada incredulidade dos demais principiantes que ali tinham aportado. Com esforço, desabotoou a rolha apodrecida. Um papel húmido, amarelecido e encarquilhado oxigenou-se depois da rolha descartada. A tinta desbotada ainda deixava ler o segredo que deixava de estar escondido: “principiantes que por aí andais, isto é uma selvajaria.

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