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Este calor de ananases é uma
maldição. Importamos as temperaturas de outras latitudes e, impreparados,
ensaiamos reação. Uma reação lúcida é o povo meter-se ao sol no pino do calor,
quando os termómetros andaram a roçar os quarenta graus pela sombra. E os
corpos que se desnudam no que podem, uma conspiração do santo padroeiro da
climatologia contra a estética. Como os calores estão no auge, os corpos
destilam suores em doses industriais. Os odores pestilentos campeiam na rua,
quando alguém suado deixa uma peugada odorífera que obriga a tapar o nariz.
Outro sinal do verão
descontextualizado da geografia é a ânsia de refresco. É bom para o negócio dos
sorvetes e da cerveja. Com o grande poder que as cervejeiras têm (não
patrocinam tudo o que tenha ressonância com festa de estudantes
universitários?), estou admirado que os tutores das teorias da conspiração
ainda não se tenham lembrado de advertir o povo que a canícula foi encomendada pelas
empresas da cerveja. Deviam ir mais longe na teoria conspirativa: diriam que
estudos científicos provam que o consumo de cerveja é aditivo, pois há no
lúpulo uma substância, que estava escondida no seu código genético, que provoca
a habituação quando a cerveja é ingerida com mais de trinta graus de
temperatura ambiente.
O povo ingrato, que não dá
ouvidos aos novos comunistas que apenas querem o bem do povo (e o pior que se
puder pensar para os grandes capitalistas), não consegue aprender a ter
disciplina mental e enfrasca-se na cerveja, uma atrás da outra, enquanto o
calor de ananases corrói a paciência da epiderme. Um dia haverá em que os novos
comunistas serão compreendidos na sua imensa bondade. Nesse dia, ficará provado
que as cervejeiras têm um pacto com o santo padroeiro do clima (e mandam nos
governos que passam pelo poder). O povo seria mais feliz, sem ser uma
felicidade de alienação, se desse valor aos valores que contam para o
crescimento da civilização. E não ganharia a adiposidade que deslustra os
abdominais escondidos debaixo de uma avantajada pança.
O calor é uma cortina que
embacia aqueles valores. Houvesse disciplina mental e sentido de justiça, o calor
era uma vírgula no caminho da justiça social.
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