4.7.13

Povo devagarinho


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Na passadeira, peões que retardam a função. Atravessam-na com lentidão. Entreolham o condutor, um olhar galináceo (pelo canto do olho) que soa a desafio. O condutor do automóvel, convidado a ter inveja do pedestre que dispensa o motor a combustão e se aproveita da regalia do legislador que lhe outorga a prioridade sobre os motorizados. Alguns não resfriam a soez vingança nem no fim, quando, já com os dois pés quase a pisar o passeio e o automóvel a iniciar o movimento, olham para trás com desdém.

Na repartição pública, o funcionário atende o utente em câmara lenta. Demora a perguntar ao que vem. Vai ouvindo o utente na sua exposição, enquanto o olhar está imóvel no monitor e os dedos arrastam vagarosamente o rato do computador. Levanta-se, o homem de meia idade vestido na sua elegância, mas dir-se-ia ter artroses ou estar contaminado pela obesidade, a crer no vagar a deixar a cadeira. O funcionário consulta outro computador. Mete conversa com três colegas, enquanto vem do lado contrário da repartição até ao seu posto. Senta-se. Espreita outra vez no computador. Atende uma chamada telefónica (da filha) no telemóvel. Contrariado, dirige um par de perguntas de contextualização ao utente. Levanta-se outra vez e entra no gabinete do chefe. Demora quase dez minutos. Atrás do utente, a fila de espera fermenta até à saída do edifício. O funcionário regressa a escrever uma mensagem no telemóvel. Só se senta (e faz esperar o utente) depois de ter terminado a redação virtual. Informa, com indiferença, que a repartição não cuida daqueles assuntos. Não se incomoda com a descompostura do utente: “se quiser o livro de reclamações, tem de tirar senha para o balcão sete.

Nos dois exemplos, não estava calor. Quando o termómetro avisa da canícula, os corpos entorpecem-se. O caminhar custa sob o azimute do sol abrasador, as pessoas arrastam seus corpos pela rua enquanto o calor mete requerimento para a desidratação. Na repartição pública, ao ar condicionado foi confiada uma tímida baforada, que o erário público já não medra na ostentação de outrora. Faz calor na repartição pública quando está calor lá fora. No calor, os corpos entregam-se à indolência. As tarefas intelectuais são tiradas a ferros, que a quentura derrete a lucidez. Mas nos dois exemplos não estava calor. E os dois exemplos multiplicam-se pelas vezes muitas que pedestres em boa forma física metem passo de caracol quando os pés açambarcam a prioridade da passadeira. E quando é dia de visitação a uma repartição pública (o que só acontece quando o acesso à distância não resolve o problema).

Entendo agora que o povo devagarinho, tão pródigo em adágios da sua lavra, tenha feito constar que “depressa e bem não há quem” e que "devagar se vai ao longe". Pretextos para a lentidão que pertence à idiossincrasia.

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