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Na passadeira, peões que
retardam a função. Atravessam-na com lentidão. Entreolham o condutor, um olhar
galináceo (pelo canto do olho) que soa a desafio. O condutor do automóvel,
convidado a ter inveja do pedestre que dispensa o motor a combustão e se aproveita
da regalia do legislador que lhe outorga a prioridade sobre os motorizados.
Alguns não resfriam a soez vingança nem no fim, quando, já com os dois pés
quase a pisar o passeio e o automóvel a iniciar o movimento, olham para trás
com desdém.
Na repartição pública, o
funcionário atende o utente em câmara lenta. Demora a perguntar ao que vem. Vai
ouvindo o utente na sua exposição, enquanto o olhar está imóvel no monitor e os
dedos arrastam vagarosamente o rato do computador. Levanta-se, o homem de meia
idade vestido na sua elegância, mas dir-se-ia ter artroses ou estar contaminado
pela obesidade, a crer no vagar a deixar a cadeira. O funcionário consulta
outro computador. Mete conversa com três colegas, enquanto vem do lado
contrário da repartição até ao seu posto. Senta-se. Espreita outra vez no
computador. Atende uma chamada telefónica (da filha) no telemóvel. Contrariado,
dirige um par de perguntas de contextualização ao utente. Levanta-se outra vez
e entra no gabinete do chefe. Demora quase dez minutos. Atrás do utente, a fila
de espera fermenta até à saída do edifício. O funcionário regressa a escrever
uma mensagem no telemóvel. Só se senta (e faz esperar o utente) depois de ter
terminado a redação virtual. Informa, com indiferença, que a repartição não
cuida daqueles assuntos. Não se incomoda com a descompostura do utente: “se quiser o livro de reclamações, tem de
tirar senha para o balcão sete.”
Nos dois exemplos, não estava
calor. Quando o termómetro avisa da canícula, os corpos entorpecem-se. O
caminhar custa sob o azimute do sol abrasador, as pessoas arrastam seus corpos
pela rua enquanto o calor mete requerimento para a desidratação. Na repartição
pública, ao ar condicionado foi confiada uma tímida baforada, que o erário
público já não medra na ostentação de outrora. Faz calor na repartição pública
quando está calor lá fora. No calor, os corpos entregam-se à indolência. As
tarefas intelectuais são tiradas a ferros, que a quentura derrete a lucidez.
Mas nos dois exemplos não estava calor. E os dois exemplos multiplicam-se pelas
vezes muitas que pedestres em boa forma física metem passo de caracol quando os
pés açambarcam a prioridade da passadeira. E quando é dia de visitação a uma
repartição pública (o que só acontece quando o acesso à distância não resolve o
problema).
Entendo agora que o povo
devagarinho, tão pródigo em adágios da sua lavra, tenha feito constar que
“depressa e bem não há quem” e que "devagar se vai ao longe". Pretextos para a lentidão que pertence à
idiossincrasia.
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