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Há alguém que possa dizer que
não vive aprisionado a preconceitos? Haverá alguém que suba ao cume da
honestidade intelectual e garanta que não se deixa amordaçar por um preconceito
aqui, outro ali? Há quem se julga tutor das ideias desassombradas e jure a pés
juntos que não tem as peias do preconceito. São os maiores preconceituosos. Escondem-se
na penumbra que assobiam para o ar, querem convencer quem eles conseguem
convencer que não trazem as algemas do preconceito. E, todavia, à menor
distração, escorregam para o preconceito tão preconceituoso como o preconceito
que dizem combater.
Eu tenho preconceitos. Tento
combater alguns. Outros, julgo-os irremediáveis – pelo menos no tempo e na
perspetiva em que me encontro, que não são variáveis inertes. Admito os
preconceitos. Por exemplo, e só como um exemplo, não conseguir ouvir as
cantorias do Sérgio Godinho, músico que domina o “rock folclórico”. Já tentei.
Esforcei-me por esquecer que o Godinho foi camarada nos tempos em que ser
comunista era pergaminho necessário no meio artístico. Assim como assim, todos
temos direito a fazer marcha-atrás, ou a meter agulha por outras veredas que
selam o arrependimento do passado. E quando esse arrependimento soa a negação
de um sórdido totalitarismo, tanto melhor. Mas nem assim consigo escutar o
Godinho a trautear as suas melodias e os poemas (dizem-me que o são, poemas).
Procurei despir-me de
preconceitos – é a expressão da língua comum – para entender o Godinho e o seu
rock folclórico. Dei comigo a derrapar para o acessório sem dar conta do
essencial: dever-se-ia dizer “despir de
preconceitos” ou “despir os
preconceitos”? Quem se despe de preconceitos é como se ficasse nu, tal como
veio ao mundo, predisposto às influências que eram rejeitadas enquanto o
vestuário era feito de preconceitos. Não acredito no recuo a um estado
pós-embrionário, como se tudo o que estivesse para trás pudesse ser esquecido.
Os linguistas deviam
reconsiderar a expressão idiomática. Na impossibilidade de alguém se despir de preconceitos (porque implica um
estado comatoso de amnésia pessoal), a melhor tradução seria despir os preconceitos. Virá-los do avesso, ou pô-los
de lado para experimentar o que eles negam. Depois vêm as possibilidades: ou a
experiência gratifica a atitude de despir o preconceito, logo ali reduzido às
suas cinzas; ou a experiência confirma a antipatia, devolvendo o preconceito
como vitualha que vergonha alguma deve esconder.
O Godinho continua a ser um dos
meus maiores preconceitos. Figura de proa do “rock folclórico” – e a categoria,
se é que importam as categorias por entre géneros musicais tão voláteis, não é
garantia de elogio ou de estética (medida pelos meus tão subjetivos
parâmetros).
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