3.7.13

Expressões idiomáticas sem sentido (III): correr atrás do prejuízo


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Há expressões idiomáticas que se entronizaram sem se saber como. Outras que subiram à prática oral do povo e, num passo rápido, se embeberam em linguagem costumada. O padrão normal das expressões idiomáticas atira-as para um sentido obscuro. Cavando até às raízes da expressão, tirando a prova dos nove ao encadeamento das palavras tecidas para apreciar o sentido da expressão, muitas vezes a resposta é ausente.
Usa-se dizer que alguém vai atrás do prejuízo. Fala-se de alguém que está em desvantagem e procura desfazê-la. Aqui entra o ininteligível da expressão, pois as palavras, em sua articulação, parecem mostrar o contrário do significado da expressão. Como pode alguém que quer desfazer a desvantagem em que se encontra correr atrás do prejuízo? O prejuízo não é a desvantagem? Virando do avesso: se a pessoa está em posição desfavorável e corre atrás do prejuízo, é porque quer acabar numa posição ainda mais desfavorável. A não ser que a expressão tenha sido cunhada por um comunista com alergia a lucros. E esse comunista tenha conseguido hipnotizar a comunidade dos falantes (e os peritos em filologia), traduzindo pelo oposto do lucro a situação que deixa as pessoas em vantagem. “Correr atrás do prejuízo” será, neste tempero, uma lenda de marxistas.
Proponho uma leitura diferente. Uma das retóricas dos sacrifícios atuais é que andámos anos de mais a viver sumptuosamente. “Acima das possibilidades”, é o diagnóstico. Agora a expressão idiomática compõe-se. Quando nos acusam de termos vivido acima das possibilidades, e de nos termos endividado sem que importasse o amanhã, no fundo andámos a correr atrás do prejuízo. Em que estamos agora. Dantes éramos navegantes, a tal gesta ilustre que ofereceu ao mundo novos mundos. Agora passámos a ser atletas com destreza na corrida. A caminho do abismo. Quando corremos atrás do prejuízo, é uma terra sem juízo que se entretece. Ninguém nos educou no siso da cautela. Em tempos trono dos sacrifícios, o sedentarismo é palavra de ordem. Já deixámos de correr, pelo menos de correr atrás do prejuízo. Se não, o abismo era já lá em cima.
A revelação chega no fim: esta expressão idiomática é todo um retrato da idiossincrasia.

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