Há expressões idiomáticas que
se entronizaram sem se saber como. Outras que subiram à prática oral do povo e,
num passo rápido, se embeberam em linguagem costumada. O padrão normal das
expressões idiomáticas atira-as para um sentido obscuro. Cavando até às raízes
da expressão, tirando a prova dos nove ao encadeamento das palavras tecidas
para apreciar o sentido da expressão, muitas vezes a resposta é ausente.
Usa-se dizer que alguém vai
atrás do prejuízo. Fala-se de alguém que está em desvantagem e procura
desfazê-la. Aqui entra o ininteligível da expressão, pois as palavras, em sua
articulação, parecem mostrar o contrário do significado da expressão. Como pode
alguém que quer desfazer a desvantagem em que se encontra correr atrás do
prejuízo? O prejuízo não é a desvantagem? Virando do avesso: se a pessoa está em
posição desfavorável e corre atrás do prejuízo, é porque quer acabar numa
posição ainda mais desfavorável. A não ser que a expressão tenha sido cunhada
por um comunista com alergia a lucros. E esse comunista tenha conseguido
hipnotizar a comunidade dos falantes (e os peritos em filologia), traduzindo
pelo oposto do lucro a situação que deixa as pessoas em vantagem. “Correr atrás
do prejuízo” será, neste tempero, uma lenda de marxistas.
Proponho uma leitura
diferente. Uma das retóricas dos sacrifícios atuais é que andámos anos de mais
a viver sumptuosamente. “Acima das possibilidades”, é o diagnóstico. Agora a
expressão idiomática compõe-se. Quando nos acusam de termos vivido acima das
possibilidades, e de nos termos endividado sem que importasse o amanhã, no
fundo andámos a correr atrás do prejuízo. Em que estamos agora. Dantes éramos
navegantes, a tal gesta ilustre que ofereceu ao mundo novos mundos. Agora
passámos a ser atletas com destreza na corrida. A caminho do abismo. Quando
corremos atrás do prejuízo, é uma terra sem juízo que se entretece. Ninguém nos
educou no siso da cautela. Em tempos trono dos sacrifícios, o sedentarismo é
palavra de ordem. Já deixámos de correr, pelo menos de correr atrás do
prejuízo. Se não, o abismo era já lá em cima.
A revelação chega no fim:
esta expressão idiomática é todo um retrato da idiossincrasia.
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