In http://sp7.fotolog.com/photo/23/14/72/djcarolcampos/1248965289773_f.jpg
Numa noite de boémia, em que o
nevoeiro da embriaguez já pousara nas pálpebras, esbarrou num padre que afagava
mágoas no balcão do bar. Só soubera que aquele homem ainda jovem,
impecavelmente apessoado, era padre depois de uma conversa que já ia demorada.
O homem fraquejou e teve de confessar, não fosse o seu bom deus destravar a
implacável ira sobre um seu embaixador, que era sacerdote.
Tinha a impressão que o padre, ali no
formato de homem, estava ainda sóbrio, enquanto ele já tinha transposto o
portão da ebriedade. E, todavia, era o padre, deposto na sua humilde condição
de homem, que tomou as rédeas da conversa. Para sua surpresa – tanta que, a
páginas tantas, parou de beber –, o padre inverteu a posição que costumava ser
sua e desceu ao rés-do-chão de onde os mortais imploram por perdão depois de arrotearem
o lodaçal dos pecados. O padre precisava de falar. Começou por admitir que de
tantas confissões escutar (“só hoje foram
dezassete”), já nem se lembrava dos seus pessoais pecadilhos. Talvez se
refugiasse na frugalidade do confessionário para não se intimidar com os
próprios pecados.
Destemido, como só os vapores do
álcool caucionam, desafiou o padre: “não
acha que foi para o sacerdócio para ocultar fraquezas?” O padre estugou a bebida,
disparou um olhar iracundo, mas depressa regressou à humilde condição de quem
se desnudava ao penetrar o olhar remoto no fundo do copo de onde o uísque se
esvaziava. Concedeu: “é isso mesmo. Como
posso julgar os outros que aparecem em confissão se transito pelos terríveis
caminhos do pecado?” Começou a chorar. Com a abundância de uma criança a
quem foi furtado o brinquedo preferido, ou de alguém que via partir um ente
querido. À volta dos dois homens era, como se o tempo estivesse parado. Pela
indiferença dos demais. Ficou incomodado quando notou o choro convulsivo do
padre. Julgava que as pessoas à volta iam reparar e se achegariam em solidária
curiosidade. Foi o contrário. A boémia não dava espaço à comiseração.
Fez-se um silêncio sepulcral – até a música
que antes berrava parecia ter entrado em hibernação. Era um silêncio demorado,
apesar daqueles instantes não serem a moldura de uma demora qualquer. Ele não
sabia que palavras compor para apaziguar o padre. Atrapalhado, e com a habitual
falta de jeito para usar palavras quando o momento as exigia, passou o braço
pelos ombros do padre. O sacerdote, despojado da sotaina quando desnudou a sua
perplexidade interior, enxugou as lágrimas, levantou os olhos e assegurou,
convicto “era a minha alma, antes de todas
as demais, que merecia impugnação”. E ele, mau grado o ateísmo
incorruptível, fez a interrogação final: “e
se conversar com o seu deus, não consegue aplacar as transgressões que o
importunam?”
O padre saiu do balcão. Intempestivamente.
Ainda foi a tempo de o ouvir a vociferar entre dentes: “e quem é deus?”
Sem comentários:
Enviar um comentário