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A vida excessiva. E a propensão para
a rebeldia. Eram as traves mestras. Porventura outros se inquietariam ao
saberem que eram tresmalhados aos olhos outros. Outros ficariam desapossados do
sono só de saberem que eram repudiados pelos maus hábitos de que eram
embaixadores. Ele regozijava-se com o opróbrio que os outros atiravam para cima
do seu dorso. E quanto mais reprováveis eram os hábitos, mais arranjava maneira
de os empobrecer (se os cânones do julgamento fossem os dos meirinhos da provecta
normalidade).
Na exata medida do envelhecimento, vinha
o decantar dos maus hábitos. Houve quem jurasse que a idade seria apoquentação
tanta que os maus hábitos haveriam de ser aprisionados no alfobre das memórias.
Diziam: “há de amadurecer, nessa altura as loucuras de outrora serão por fim
entendidas como coisas estouvadas que foram.” Como a par da rebeldia nidificava
um espírito de contradição singular, quanto mais o importunavam, e quanto mais a
importunação soasse a exigência de outro comportamento, mais polia o
comportamento condenável.
Houve quem lhe chamasse pária. Cultor
do ensimesmar, toureando com destreza as apoplexias interiores, julgava-se
profeta que contradizia a letargia contagiante. E, por isso, ufanava-se dos
maus hábitos por onde transitava. Dormia a desoras – e quando as desoras se
tornavam banais, trocava os fusos ao sono, nem que nisso coincidisse com os
banais mortais em que se não revia. Não cuidava do que comia, não cuidava da
forma, nem da aparência física. Os excessos convocavam as drogas, sem critério
nem calendário, e o álcool em suas múltiplas categorias. Lia os livros
proscritos. Ouvia a música desdenhada. Apurava a promiscuidade. Calçava botas
rotas e só ficava contente quando as botas se rompiam, tratando de apurar a
função com punhais que se punham a feição. Desafiava, militantemente, a
autoridade estabelecida, da mesma forma que ia às manifestações de desordeiros só
para os insultar (o que lhe valeu a custosa injúria de ser acusado de ser
agente infiltrado da polícia). À noite, pichava paredes com versos herméticos
de poetas que acabara de ler na biblioteca. À noite, ainda, empunhava megafone
e proclamava estrofes desassisadas que ensaiava quando acordava convencido que
era um profeta.
E nem os cabelos brancos, os
padecimentos (que o corpo entardecia no envelhecimento), as senhoras bem postas
que atravessavam a rua quando o viam no mesmo passeio, os parentes próximos que
fingiam não serem da mesma família, ou a descendência que deixara que o
ignorava como progenitor (por precato), o demoveram dos maus hábitos. Jurou,
numa jura que só tinha efeito para si mesmo, que os maus hábitos seriam sua
sepultura. Preferível fado ao marasmo do tempo todo igual e da gente que
cultivava a artificial diferença irmanada pela concordância no geral.
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