6.12.13

Maus hábitos

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A vida excessiva. E a propensão para a rebeldia. Eram as traves mestras. Porventura outros se inquietariam ao saberem que eram tresmalhados aos olhos outros. Outros ficariam desapossados do sono só de saberem que eram repudiados pelos maus hábitos de que eram embaixadores. Ele regozijava-se com o opróbrio que os outros atiravam para cima do seu dorso. E quanto mais reprováveis eram os hábitos, mais arranjava maneira de os empobrecer (se os cânones do julgamento fossem os dos meirinhos da provecta normalidade).
Na exata medida do envelhecimento, vinha o decantar dos maus hábitos. Houve quem jurasse que a idade seria apoquentação tanta que os maus hábitos haveriam de ser aprisionados no alfobre das memórias. Diziam: “há de amadurecer, nessa altura as loucuras de outrora serão por fim entendidas como coisas estouvadas que foram.” Como a par da rebeldia nidificava um espírito de contradição singular, quanto mais o importunavam, e quanto mais a importunação soasse a exigência de outro comportamento, mais polia o comportamento condenável.
Houve quem lhe chamasse pária. Cultor do ensimesmar, toureando com destreza as apoplexias interiores, julgava-se profeta que contradizia a letargia contagiante. E, por isso, ufanava-se dos maus hábitos por onde transitava. Dormia a desoras – e quando as desoras se tornavam banais, trocava os fusos ao sono, nem que nisso coincidisse com os banais mortais em que se não revia. Não cuidava do que comia, não cuidava da forma, nem da aparência física. Os excessos convocavam as drogas, sem critério nem calendário, e o álcool em suas múltiplas categorias. Lia os livros proscritos. Ouvia a música desdenhada. Apurava a promiscuidade. Calçava botas rotas e só ficava contente quando as botas se rompiam, tratando de apurar a função com punhais que se punham a feição. Desafiava, militantemente, a autoridade estabelecida, da mesma forma que ia às manifestações de desordeiros só para os insultar (o que lhe valeu a custosa injúria de ser acusado de ser agente infiltrado da polícia). À noite, pichava paredes com versos herméticos de poetas que acabara de ler na biblioteca. À noite, ainda, empunhava megafone e proclamava estrofes desassisadas que ensaiava quando acordava convencido que era um profeta.
E nem os cabelos brancos, os padecimentos (que o corpo entardecia no envelhecimento), as senhoras bem postas que atravessavam a rua quando o viam no mesmo passeio, os parentes próximos que fingiam não serem da mesma família, ou a descendência que deixara que o ignorava como progenitor (por precato), o demoveram dos maus hábitos. Jurou, numa jura que só tinha efeito para si mesmo, que os maus hábitos seriam sua sepultura. Preferível fado ao marasmo do tempo todo igual e da gente que cultivava a artificial diferença irmanada pela concordância no geral.

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