In http://26.media.tumblr.com/tumblr_lnzk68oY8n1qedfcno1_r1_500.jpg
Conversa afiada. Parecia que ninguém
passava por eles. E, no entanto, era um entardecer de azáfama, com o fim de
semana a morder no final da sexta-feira e as pessoas a quererem a dissolução do
bulício rotineiro em ócio. Os pés meteram-se pelas avenidas largas que, mesmo
sendo largas, estavam apinhadas. Enfeites natalícios não escureciam a conversa
afiada. Nem as mãos nos bolsos, que o frio trazia os pedintes a tiritar e os
cachecóis abundantes eram prova saliente.
-
O porvir trará a recompensa maior. Há de vir um tempo, por fugaz que seja, com
a gratificação sublime.
-
E o que te embala em tão franco otimismo?
-
Não sei dizê-lo com propriedade. É uma intuição. Um pulsar interior que demove
toda a obscuridade na fermentação do tempo presente.
-
Mas não achas que isso é uma contradição?
-
O que queres dizer?
-
Que tamanho desassombro com que esperas pela nitidez do tempo futuro, sem
achares rudimentos palpáveis para aí transitar, é um desespero.
-
Sem bem entendo, insinuas que não há por que perseverar, que os tempos sombrios
se adensam com o bater das horas...
-
Exato.
-
...e que me abraço a uma deriva suicidária por mergulhar na negação do que aos
olhos é mostrado.
-
Diria que um acesso de espiritualidade se apoderou de ti. Não é crítica, nota
bem. Eu seria incapaz de por aí arremeter. Respeito a tua coragem.
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É genuíno. Logo eu, que não alinho em esoterismos e teorias abstrusas, sinto em
mim este pulsar irreprimível. Faz-me acordar à espera que o apogeu não demore.
-
E o que esperas que aconteça no apogeu?
-
Deixarei o tempo fluir em seu vagar. O que houver de acontecer tomará seu lugar
em medida certa.
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Não temes que nesse instante tudo se consuma na efemeridade do momento? Que
seja uma recompensa fugidia e depois venha a curva descendente, só aplacada se
teimares na contínua evocação desse instante?
-
Sei que o melhor está para vir. Não me resigno ao outrora resplandecente. E não
será depois, quando houver um outro outrora mais nítido por celebrar, que vou
estar refém da moldura que refaz esses momentos.
-
Qual é o propósito, então?
-
É deixar que a ponte dos promontórios de onde se bebe a essência da existência
se estenda de cada vez que uma proeza a enfeita. O melhor está sempre por vir.
O “sempre” faz a diferença. Não é capitulação, como se o acesso a uma proeza
fosse sepultura da existência, ou sua ambientação ao tempo pretérito.
Não conseguiu digerir o otimismo
militante do amigo. Nessa noite, acossado pela conversa afiada, interrogou o
pessimismo em que se consumia. A insónia devolvia, a todo o tempo, a afirmação
de embriagada espiritualidade: “o melhor está para vir”. O pior é depois do
melhor ter chegado. Mal por mal – clamava o estertor pessimista – que o melhor não
tenha seu valimento.
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