20.12.13

E se a poética invadisse a comunicação política?

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(Podiam os jornalistas, se mais letrados, ajudar a embelezar a política, se escrevessem com cuidados poéticos. E podiam os consultores políticos, em adenda aos atores por dentro da política, espaventar o nevoeiro retórico que comina a política e desmotiva os eleitores.)
Foi jornada ilustre. A nação cavalgou na concórdia. Os rostos desavindos perderam a fímbria das desavenças, souberam que os privativos interesses cediam ao bem comum. Já o era dantes, mas dantes não havia concórdia sobre o entendimento do bem comum. Agora todos vieram confederar as mãos. Os cálices foram ao alto, em sonoros brindes, na casa parlamentar e nos gabinetes onde anónimos burocratas se sentiram vingados pelo esforço sempre na sombra.
Os atores políticos, pese embora as grinaldas desfasadas que envergam, selaram o ajuste no tempo presente com o firmamento da memória futura. Sob a respeitável tutela do mais elevado magistrado da nação, que perseverou na obnubilação das divergências para o bem das gentes, com o beneplácito dos credores que, da estranja, mandam réditos para nos endividarmos. O tribunal mais importante selou o compromisso com uma corona de flores garridas, quando outrora ousou matá-los (aos compromissos) com uma coroa de espinhos. Já não era tempo para as desinteligências se consumarem em sangue derramado mercê da esfregação dolorosa nos espinhos deixados em forma de legado. Até os sindicalistas tiveram o seu refrigério, acastelando o repouso num antídoto da agitação em que habitualmente laboram. Os patrões, os que oferecem o rosto no jogo das influências e os que se movem nos bastidores enquanto se adestram pardas eminências, ofereceram aquiescência.
Os do governo estavam exultantes. Os firmes ósculos à ministra da fazenda exibiam a irradiação de contentamento que, horas mais tarde, os despojaria do sono merecido, tanto o rebuliço. Os das oposições nidificavam em seu pátrio orgulho, eram aplaudidos pelos do governo e pelas gentes que quiseram louvá-los pela pátria postura. Brindaram todos na casa parlamentar. Ao menos numa instância, numa instância que fosse, cindiram as diferenças em poeira de onde se agigantou o fermento da concórdia. O mais contente de todos, embriagado no seu rasgado sorriso, era o mais alto magistrado da nação. O sonho havia-se cumprido, agora fado irremediável: a democracia cimentada num só pensamento.
Ainda houve quem sussurrasse, de recônditas torres de marfim, que tamanha democracia era contradição de termos. Nem tiveram tempo para contestar os termos da falaz concórdia. Sobre eles caiu o opróbrio do antipatriotismo. E depressa foram convidados ao exílio – se não ao físico exílio, ao exílio das ideias. A nobilitada democracia, prenhe de concórdia imberbe, não sabia conviver com as diferenças. Medraria, esta pobre democracia, no ocaso dos seus frágeis pergaminhos. Sobrava a espera do tempo. E que a madurez tomasse seu lugar e a democracia do único pensamento, confundindo concórdia com empeço de divergir, fosse condenada ao cadafalso.

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