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(Podiam os jornalistas, se mais
letrados, ajudar a embelezar a política, se escrevessem com cuidados poéticos.
E podiam os consultores políticos, em adenda aos atores por dentro da política,
espaventar o nevoeiro retórico que comina a política e desmotiva os eleitores.)
Foi jornada
ilustre. A nação cavalgou na concórdia. Os rostos desavindos perderam a fímbria
das desavenças, souberam que os privativos interesses cediam ao bem comum. Já o
era dantes, mas dantes não havia concórdia sobre o entendimento do bem comum.
Agora todos vieram confederar as mãos. Os cálices foram ao alto, em sonoros
brindes, na casa parlamentar e nos gabinetes onde anónimos burocratas se
sentiram vingados pelo esforço sempre na sombra.
Os atores
políticos, pese embora as grinaldas desfasadas que envergam, selaram o ajuste
no tempo presente com o firmamento da memória futura. Sob a respeitável tutela
do mais elevado magistrado da nação, que perseverou na obnubilação das
divergências para o bem das gentes, com o beneplácito dos credores que, da
estranja, mandam réditos para nos endividarmos. O tribunal mais importante
selou o compromisso com uma corona de flores garridas, quando outrora ousou
matá-los (aos compromissos) com uma coroa de espinhos. Já não era tempo para as
desinteligências se consumarem em sangue derramado mercê da esfregação dolorosa
nos espinhos deixados em forma de legado. Até os sindicalistas tiveram o seu
refrigério, acastelando o repouso num antídoto da agitação em que habitualmente
laboram. Os patrões, os que oferecem o rosto no jogo das influências e os que
se movem nos bastidores enquanto se adestram pardas eminências, ofereceram aquiescência.
Os do governo
estavam exultantes. Os firmes ósculos à ministra da fazenda exibiam a
irradiação de contentamento que, horas mais tarde, os despojaria do sono
merecido, tanto o rebuliço. Os das oposições nidificavam em seu pátrio orgulho,
eram aplaudidos pelos do governo e pelas gentes que quiseram louvá-los pela pátria
postura. Brindaram todos na casa parlamentar. Ao menos numa instância, numa
instância que fosse, cindiram as diferenças em poeira de onde se agigantou o
fermento da concórdia. O mais contente de todos, embriagado no seu rasgado
sorriso, era o mais alto magistrado da nação. O sonho havia-se cumprido, agora
fado irremediável: a democracia cimentada num só pensamento.
Ainda houve quem
sussurrasse, de recônditas torres de marfim, que tamanha democracia era
contradição de termos. Nem tiveram tempo para contestar os termos da falaz
concórdia. Sobre eles caiu o opróbrio do antipatriotismo. E depressa foram
convidados ao exílio – se não ao físico exílio, ao exílio das ideias. A
nobilitada democracia, prenhe de concórdia imberbe, não sabia conviver com as
diferenças. Medraria, esta pobre democracia, no ocaso dos seus frágeis
pergaminhos. Sobrava a espera do tempo. E que a madurez tomasse seu lugar e a
democracia do único pensamento, confundindo concórdia com empeço de divergir,
fosse condenada ao cadafalso.
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