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Algum dia os segredos dos poderosos
haveriam de ser trazidos a público. Aquilo que as sumidades proclamavam, mas
que nem todos confiavam porque mais soava a teoria da conspiração, foi revelado
como verdade insofismável. A troika que nos amordaça, a troika que nos subtraiu
soberania e condenou ao empobrecimento, foi apanhada em falso. Três altos
funcionários (do FMI, da Comissão Europeia e do BCE) estavam em fim de noite no
restaurante do hotel de cinco estrelas em que pernoitam quando vêm de visita a
Lisboa. E nem o protocolo de Estado e as razões de segurança que reservaram a
sala privativa do restaurante do hotel impediram que um microfone alcoviteiro e
um sistema de gravação tivessem apanhado uma conversa comprometedora.
Funcionário do BCE – Estamos a levar a água ao nosso moinho. A
economia deste país está a levantar o prumo.
Funcionário do FMI (sempre mais
cauteloso na abordagem, não tão ortodoxo como os outros dois) – Parece que sim. Mas não nos livramos de sermos
algozes deste povo sacrificado.
Funcionário da Comissão – Ora essa! Já devias saber que o programa que
aqui viemos instalar trata de empobrecer a classe média, de condenar à
indigência os mais pobres, de assaltar as pensões dos reformados, de ensopar as
pessoas com impostos e mais impostos e, ato contínuo, de emagrecer o Estado e
destruir o Estado social. Onde está a novidade?
Funcionário do FMI – Pois, já sei que é a cartilha por onde nos
regemos. Mas temo que algum dia descubram que queremos propositadamente
empobrecer esta gente. Se se vem a saber...nem quero pensar nas consequências.
Funcionário do BCE – Podiam ser trágicas para nós, que somos
soldados enviados para a frente de batalha. Não é por acaso que andam por aí
uns entendidos de história a advertir que a revolta popular, da violenta, pode
estar à nossa espera. Dizem que esse é o oráculo da história.
Funcionário do FMI – A maralha dá ouvidos a esses lunáticos?
Funcionário do BCE – Aposto que não. Os lunáticos raramente têm
palco, a não ser o que é frequentado por outros lunáticos.
Funcionário da Comissão – Às vezes, quando estamos em Lisboa e há
manifestações dos sindicatos, deito-me com o prazer de saber que a classe média
e os pobres estão fadados a uma monástica forma de viver. Um dia destes, para
adulterar as aparências, tu (dirigindo o olhar para o funcionário do BCE) podias dar instruções aos bancos para
abrirem outra vez a torneira do crédito barato. Para apaziguar as aflições e devolver
um módico de satisfação ao povo.
Funcionário do BCE – Está nos nossos planos. Espera mais um ano,
para confirmar que a economia voltou a levantar voo. A maralha ficará depressa
anestesiada. Os sindicalistas e os sábios que extrapolam lições do passado
ficarão a falar sozinhos enquanto o povo se voltará a banquetear no viciante crédito.
Funcionário do FMI – Temos de congeminar uma estratégia de comunicação.
Não pode ficar ao acaso, o empobrecimento. Diremos que não foi empobrecimento
(nem que precisemos de mentir nas intenções com que partimos). Diremos que foi
preciso o barco ir quase ao fundo para voltar a navegar com a proa orgulhosa.
Funcionário da Comissão – O povo tratará de nos aplaudir. Sem perceber
que queríamos mesmo prostrá-lo na pobreza, pois havia muitos arrivistas a
rivalizarem com o consumo de casta que nos deve ser reservado, a nós e aos
nossos tutores da alta finança.
Foi quando os líderes da santíssima
trindade bancária amesendaram com os funcionários da troika. Um deles disse,
enquanto se atirava, esfaimado, às tostas de caviar e à lagosta:
- Brindo
a isso. A isso e ao empobrecimento que deixámos ao povaréu inculto. Sem
esquecer um sentido bem haja aos comentadores e ingénuos académicos que nos continuam
a prestar gratuitos serviços. Ah, como é bom sair à rua e, de dentro da
blindada limusine, apreciar o olhar triste das gentes, como elas são tementes
dos empregos que lhes podemos retirar, como aceitam o salário que nos apetecer
pagar. Ainda bem que soubemos convencer os partidos a fazerem um acordo
convosco.
1 comentário:
Reli este texto (talvez a propósito da publicação de hoje) e a minha incomensurável ignorância levou-me até à 1ª parte da obra “Assim Falou Zaratustra”, Friedrich Nietzsche, mais precisamente a um dos Discursos: “Do novo ídolo”.
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