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A excitação da véspera de natal levou
o sono cedo de mais. Já não era por causa da visita do pai natal, que não tinha
idade para acreditar em contos de fadas, e a encenação que os mais velhos
repetiam à medida que os natais iam em cadência era isso mesmo, uma encenação.
Limitava-se a fazer de conta que ficava inebriado com a figura enchumaçada
vestida numa disforme fatiota vermelha, as fartas barbas de algodão caindo em
cima do peito, a custo empurrando o saco de serapilheira cheio de prendas,
enquanto na varanda troavam os tachos em sonora algazarra.
Podia não parecer, mas tinha
crescido. Às vezes parecia que os mais velhos insistiam em não o deixar
crescer, tal a teimosia na encenação do vetusto pai natal. No ano anterior
tivera de fazer de conta que ainda acreditava no pai natal – e eles, na escola,
esboçavam estrofes de músicas rap entoando
as coisas mais feias acerca do pai natal. Neste ano, percebeu que alguns dos
familiares continuavam mergulhados num imaginário infantil natalício, pois eles
é que exultavam com a chegada da anafada figura que preside ao natal. Não é cómodo
ser testemunha deste pueril encantamento dos mais velhos.
A excitação da véspera de natal, e
que tinha furtado o sono antes do tempo, era por causa da demorada estadia na
cozinha, ajudando nos preparativos gastronómicos. No ano anterior estreara-se
como ajudante. Ia chegando os ingredientes, um tio ensinou-o a separar gemas de
claras, a avó incumbiu-o de pesar os ingredientes na balança antiga que ainda
precisava dos pesos de chumbo para acertar o fiel e dar o peso certo. Este ano
queria meter as mãos na massa. Literalmente. Lembrava-se como uma das tias
meteu as mãos quase até aos cotovelos na massa dos sonhos. Queria ser ele o
intérprete dos sonhos. Podia ser que, ao mexer na massa dos sonhos, os sonhos
que chegavam ao sono descessem da dimensão onírica e se fizessem coisas
tangíveis.
Mas tinha um medo: e se as mãos na
massa, ordenhando os ingredientes para a congeminação dos sonhos, fossem
tutoras dos sonhos bons e dos maus também? Tinha de perguntar à tia. Assim como
assim, em continuando a ser tratado como uma criança tardia, podiam descontar a
ingenuidade da pergunta.
1 comentário:
Um grão de arroz doce, sempre atento a tudo o que se passava em seu redor, murmurou:
“Ouvi dizer que o medo leva os sonhos sem pedir licença: os bons, os maus, até os doces… Não será preferível meter as mãos na massa? ”
O Rei da Festa, com coroa de poucos amigos, respondeu no mesmo tom:
“Não sejas intrometido senão, este ano, abrigas tu a fava.”
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