19.12.13

E se inventássemos o mar de volta?

In http://www.antoniovidigal.com/drupal/cd/sites/all/fotografias/MagiotoConcheiraVeryLow-2.jpg
Diríamos que o mar se ausentou. Era como se estivéssemos nós ausentes do mar, ou ele de nós, num qualquer lugar que a ele guardasse longínqua equidistância. Sonhávamos com a maresia. Sonhávamos com a cumplicidade com o mar, intermediada pelo olhar que nele se detinha e, com essa detenção, o colonizava como se fosse todo nosso.
Sonhávamos. Mas não temos mais serventia dos sonhos. Eles vieram ao nosso regaço, tangíveis, aderentes ao táctil sentir. Foram congeminados pelas nossas industriosas mãos. As mãos arquitetas que trataram de voar por cima das montanhas, das mais altas montanhas, desafiando o que julgávamos insuperável; das mãos que cuidaram de arrematar intempéries, sem que elas nos pudessem demover; das mãos suadas, marcadas pelo encarvoar do tempo, que tiraram as bússolas do chão e só descansaram quando os olhos voltaram a repousar no mar chão. Das lágrimas vertidas não constava memória. E sabíamos que enquanto foram vertidas, depostos na fragilidade que julgámos ser em marés de sobressalto, dessas lágrimas ecoavam maresias que devolviam o perfume do mar. Por mais distantes dele estivéssemos. Sabíamos que não havia fronteiras que impedissem o resgate do mar.
Sabíamos que a vontade era indómita. Deixámos as palavras fluir no pulsar da vontade que trazia as gotas de suor na enrubescida pele. Sabíamos que os contratempos azedavam os esboços que repousavam em cima do estirador, mas nem assim nos despojámos da indumentária que quadrava com a singeleza do que éramos. Os esboços, continuaram em edificação. Não capitulámos. O mar podia estar ao longe, mas era audível como se as ondas se viessem desfazer na embocadura dos nossos pés. Atirámos as roupas velhas para a moldura inerte do tempo embaciado. Deixámo-las em forma de vestígio, a ebulição para o nós que em nós medrava. Nus, estávamos preparados para a casa da partida. Os pés em uníssono arrotearam as veredas por onde escolhemos passar.
Nunca perdemos o norte ao lugar que era esconderijo do mar. Agora, o mar é nosso. Nossa invenção, mar hospedeiro que é safra prometida. Todo nosso.

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