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Diríamos que o mar se ausentou. Era
como se estivéssemos nós ausentes do mar, ou ele de nós, num qualquer lugar que
a ele guardasse longínqua equidistância. Sonhávamos com a maresia. Sonhávamos
com a cumplicidade com o mar, intermediada pelo olhar que nele se detinha e,
com essa detenção, o colonizava como se fosse todo nosso.
Sonhávamos. Mas não temos mais
serventia dos sonhos. Eles vieram ao nosso regaço, tangíveis, aderentes ao táctil
sentir. Foram congeminados pelas nossas industriosas mãos. As mãos arquitetas
que trataram de voar por cima das montanhas, das mais altas montanhas,
desafiando o que julgávamos insuperável; das mãos que cuidaram de arrematar
intempéries, sem que elas nos pudessem demover; das mãos suadas, marcadas pelo encarvoar
do tempo, que tiraram as bússolas do chão e só descansaram quando os olhos
voltaram a repousar no mar chão. Das lágrimas vertidas não constava memória. E
sabíamos que enquanto foram vertidas, depostos na fragilidade que julgámos ser
em marés de sobressalto, dessas lágrimas ecoavam maresias que devolviam o
perfume do mar. Por mais distantes dele estivéssemos. Sabíamos que não havia
fronteiras que impedissem o resgate do mar.
Sabíamos que a vontade era indómita.
Deixámos as palavras fluir no pulsar da vontade que trazia as gotas de suor na enrubescida
pele. Sabíamos que os contratempos azedavam os esboços que repousavam em cima
do estirador, mas nem assim nos despojámos da indumentária que quadrava com a
singeleza do que éramos. Os esboços, continuaram em edificação. Não capitulámos.
O mar podia estar ao longe, mas era audível como se as ondas se viessem
desfazer na embocadura dos nossos pés. Atirámos as roupas velhas para a moldura
inerte do tempo embaciado. Deixámo-las em forma de vestígio, a ebulição para o
nós que em nós medrava. Nus, estávamos preparados para a casa da partida. Os pés
em uníssono arrotearam as veredas por onde escolhemos passar.
Nunca perdemos o norte ao lugar que era
esconderijo do mar. Agora, o mar é nosso. Nossa invenção, mar hospedeiro que é safra
prometida. Todo nosso.
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