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Sabotaram os cavalos. Pela porta dos
fundos, enquanto as reses dormiam, um bando de manipuladores meteu uma mixórdia
estimulante na ração de aveia. Os cavalos, sentindo a agitação, acordaram antes
da alvorada. Em estando atiçados, açambarcam a primeira refeição.
O efeito do estimulante não demorou.
Começaram a relinchar como se tivesse havido um terramoto, levantando as patas
da frente em sinal de ebulição. Os tratadores também tiveram uma alvorada antes
do tempo: a agitação na estrebaria ouvia-se nos aposentos. Quando entraram na
estrebaria, os cavalos espumavam enquanto os olhos se debatiam para aderirem às
órbitas. O feno estava espalhado pelo chão. Já não havia água dentro dos
logradouros onde os cavalos a costumavam beber. Um coice enfurecido deitara o
logradouro abaixo, levando toda a água a enlamear-se com o feno e a aveia que
estavam pelo chão. Havia cavalos que faziam menção de atacar os tratadores.
Dois cavalos pegaram-se numa luta
medonha. Foi quando os tratadores intervieram. Três deles saltaram a cerca. Procuravam
domar os animais desassossegados, usando cordas. Ao sentirem a cancela aberta,
os cavalos, cegos em sua fúria, atropelaram os moços que tinham oferecido
valentia para apascentar a ira das reses. Ficaram maltratados, com alguns ossos
partidos e umas escoriações para memória futura. Os cavalos vieram todos para o
exterior da estrebaria. Passaram por cima do que havia na sua fuga indomável.
Era vê-los em louca correria, a crina sedosa em esvoaçante movimento, selando a
velocidade irrefreável que traziam nas patas. O carro do feitor ficou todo
amolgado quando os cavalos treparam pela mala, subiram ao tejadilho e desceram
pelo capot em direção à saída da
quinta.
Era tanto o alvoroço que o alarme
chegou à polícia. Na fuga para lugar incerto, os animais provocaram acidentes
de viação. Um dos cavalos foi atingido por um camião e pereceu, em agonia, na
berma da estrada. Os outros, sem nunca abrandar, como se estivessem a fugir do
fim do mundo, correram sem destino. Apenas queriam correr, comprazer-se com os
prados livres e os montes que se ofereciam no horizonte. Os montes onde se
refugiaram, intuindo que o alcantilado do terreno era propício a esconderijos
que os deixassem invisíveis aos batedores que haveriam de vir em sua captura.
Só na manhã seguinte o estimulante se
anestesiou. Os cavalos estavam exangues. E esfomeados, tantas as forças
consumidas a preceito da estonteante fuga. Nem assim desceram das montanhas.
Elas guardavam, na parte mais alta, verdes prados onde podiam saciar a fome.
Era lá, nas altas e quase inacessíveis montanhas, que os cavalos sabiam não
haver freios que fossem tenazes do ar livre e puro que era seu bálsamo singular.
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