In http://dnr.wi.gov/topic/Lands/WildRivers/images/BullFalls3_700x288.jpg
Para lá dos altos prados, num lugar remoto
onde as rochas graníticas se afundam numa cova fecunda. Nesse lugar, onde um
fino fio de água sobe das entranhas, um frágil regato escorre devagar pela
pouca inclinação do terreno. Há rios que perecem na sua nascitura forma, quando
as entranhas padecem de estival aridez na ausência demorada da chuva que seria
seu manancial. Mas este é um rio bravo, até quando num quase impercetível fio
de água desafia os elementos e o frio glaciar do inverno, nunca se depondo em
sólida forma do gelo que adorna os montes à volta.
Um pouco à frente, aproveitando o
declive do chão que se afunila em voraz precipício, o rio acelera a marcha. Até
lá recebe outros, esparsos, mantos de água que o engrossam. Quando se despenha
no desfiladeiro já ganhou a feitoria de um rio visível. Dissolve-se em espuma
enquanto esvoaça antes de se estatelar com fragor nas rochas alisadas pela
interminável erosão das águas em sua queda. Empreende o rio uma viagem
alucinante, emparedado pelas margens. As águas insubordinam-se em seu leito
sitiado, rumorejando uma fúria infantil e, todavia, medonha. Dizem os
habitantes locais que nunca alguém se aventurou nas alvoraçadas águas do
estreito leito. O rio é atirado às feras, faz antecipado tirocínio das
contrariedades. Depressa o rio se converte em fera e as pessoas contemplam as
águas amotinadas com admiração e temor.
Mas o rio cansa-se dos solavancos que
o destemperam. O terreno ajuda quando se aquieta das alturas e oferece um leito
suave, já sem o espartilho das margens ameadas por altas muralhas. Acalma-se, o
rio. Já está maduro para receber outras águas, os nutrientes arrematados pelos
afluentes que a ele vêm. Não adultera a sua identidade, que o curso maior de
água é ele que o transporta. À medida que na sua embocadura desaguam os
afluentes, o rio começa-se a transfigurar. Já não é o manancial puro com
alimentação telúrica, o rio indomável que conheceu a paisagem das altas
montanhas. Águas outras temperam-no, ensinam a olhar com olhos diferentes para
as paisagens que desfilam no horizonte.
Ao envelhecer, o rio agiganta-se.
Alarga-se em sítios onde as margens contrárias se distanciam por léguas. O
movimento das águas quase não se nota por entre a quietude do leito madraço.
Uns poetas consagraram versos arrebatados à luz que o rio empresta à cidade que
é seu derradeiro apeadeiro. Pressagiando o decesso, quando o rio por fim se
entrega nos braços da vastidão do mar. Um paradoxal óbito, proclamavam esses
versos: na sua senescência, era um fulgor de vitalidade, um largo leito
reivindicando o respeito de quem nele deitasse o olhar.
Os poetas estavam equivocados.
Quebrados versos na sua finitude, que o rio não tinha cais final quando as
águas suas se misturavam com as do mar. A entrada no vasto mar era um lampejo
do rio, que vem adocicar o salgado mar. O seu leito acamava, em lenta diluição,
no mar. A altivez do mar era também um quinhão da altivez do rio que nele de
deitou. Provando que não era a foz o lugar do seu decesso.
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