In http://www.youtube.com/watch?v=HRRnosHzdCw
O cais sombrio não era espartilho
para o olhar vindouro. Não embaciava o olhar que queria ser maior que as léguas
do mundo. Por diante, o mar. O mar pequeno, antes de sair da embocadura da baía
e perder as suas baias, entregando-se ao mar aberto, descomprometido.
Era dentro daquele mar emparedado que
o olhar se apoderava das possibilidades imensas. Os olhos transitavam pelas
pedras encardidas do cais, pelas pedras cerzidas pelo musgo perene. Nas suas
costas, a escuridão emprestava ao lúgubre cais uma resplandecência singular.
Não era por causa do tempo malparado que o rosto suplicava um outro devir.
Sabia que as súplicas são como os arrependimentos, só que trajando diferentes
dimensões do tempo. Agravam as dores que vêm pastoreadas na indigência do tempo
que se desgasta na exata medida da inutilidade – da inutilidade que açambarca
as súplicas para o devir e os arrependimentos do outrora.
As consequências tomavam tudo nas mãos.
Era sussurrado ao ouvido da lucidez: que uma centelha depositasse nas mãos a
flor que, uma vez afagada, se transformasse em mapa com as coordenadas apetecidas.
Mas a resolução não era empreitada de somenos. O mar pequeno era todavia a
irradiação das possibilidades que pareciam infinitas. Impunha-se uma decantação
das possibilidades, a começar pelas que deixassem vestígios de folhas caducas,
amarelecidas e defuntas.
Havia, ao longe, um cedro majestoso
que se insinuava, pelo porte, porto de abrigo. Depressa outras três
possibilidades abraçaram-se ao olhar como trunfos indeléveis que se prometiam
imunes às fragilidades. Um vulto escuro, tão vulto que no meio da penumbra
teimosa não se distinguia nas formas, tocava piano, incessantemente. Mal o
olhar se desviava para diferentes quadrantes e logo se arrebatava com uma
pastagem bucólica onde as reses se alimentavam em regime de slow food.
Ou, no meio de uma citadina rua movimentada, o artista de mímica que conseguia
o sortilégio de fazer de um gato vivo estátua de cera. Eram tantas as
possibilidades, as promitentes possibilidades, que precisava de uma batuta para
ser maestro e conseguir orquestrar as prioridades entre o imenso mar de
possibilidades açambarcado pelo mar pequeno.
Daria ao tempo o tempo que o tempo
reivindicava. Contrariado, por temor que o tempo remanescente fosse uma
escravidão mercê da sua exiguidade.
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