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O mar
encantador, que tudo pode matar.
Agitam-se as árvores, arqueiam-se seus ramos
que fogem do epicentro. O mar molda-se num dantesco quadro. A chuva escorre
como se não viesse outra vez o tempo soalheiro. As pessoas perdem o sono,
vigilantes sobre os haveres, erguendo trincheiras que julgam proteger da
malévola intempérie.
Ao mesmo tempo, sacerdotes das
catástrofes recordam que a culpa das tempestades é dos homens – como se fosse
mais importante discutir as suas origens em vez de congraçar as consequências, com
falta de respeito por quem perde os haveres. Outros, menos doutrinados,
lamentam a aziaga natureza. Lembram que o homem leva tempo a embelezar a orla
que quase beija as mansas águas do mar quando elas se não descompõem e que, num
golpe estouvado, o mar, em íntima aliança com os adversos elementos da
atmosfera, rouba o que teve dedo humano. Vertem-se lágrimas por causa da devastação.
Maldiz-se o mar que não quis ser sempre benquisto e se amotinou, quase fazendo
crer, em coro com os profetas das catástrofes, que foi a paga pela tresloucada
sede humana de meter edificações em lugares que qualquer dia podiam ser
colonizados pelo mar.
Falta-lhes lucidez, aos profetas das
catástrofes e aos que tecem seus prantos e querem baixar os braços. Sempre que
uma tempestade muito descompôs, a têmpera humana, que é rija e perseverante, cuidou
de reconstruir. No fim das contas, triunfa a sede de empreitada que faz as
pessoas meter as mãos ao trabalho, lambendo as feridas que o mar avivou quando
se indispôs e entrou, de reboliço, no terreno que se julgava imune à sua
inspeção. Pode ser que venham de novo os agricultores das catástrofes reclamar
sua razão, protestando contra o desmazelo dos perseverantes por nada aprenderem
com as catástrofes havidas. Até podem adivinhar que, mais tarde ou mais cedo, o
mar volta a invadir a quietude que assim se julgava, numa sanha destruidora que
devolve ao mar uma covardia escondida.
O que interessa é que as tempestades não
são definitivas. São uma curva traiçoeira que arrebata uma trama dramática. Descontando
as vítimas que perecem na fúria de uma tempestade, estamos cá todos, os da larga
maioria, para reaprender com os destroços.
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