3.1.14

Palavras malditas

In https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjhV4uphz2TuQTTJ5hrb7qxM_n_TjuWWxgG52gZx8olQqJIBzIQ8bn0wsfZGTWlQiS-xwKuieaJ7eFS6tIjTRHpOnIaKfGT3fLC6A5DQon41G8Kb3rQ6byPqz4jl4u0zAAs9v4lMQ/s200/no_tongues.jpg
Em melhor dizendo: palavras que, por terem sido ditas por alguém que é persona non grata, ficam condenadas ao desterro, sobre elas recai a vergonha de terem sido ditas por quem arrasta consigo o opróbrio de o ser.
Vem isto a propósito de ter lido e ouvido pessoas a pedirem desculpa por usarem a palavra “narrativa”. A dita palavra ficou célebre no espaço público depois de um antigo primeiro-ministro, que fez uma sabática da vida pública enquanto tirocinava estudos pós-graduados em ciência política em Paris, a ter repetido numa entrevista na televisão. Eis o efeito devastador: as pessoas começam a falar; e como no raciocínio se engatilha a palavra “narrativa”, antes de a usarem metem um parêntesis na frase para avisarem a audiência que vão usar uma palavra maldita, como se estivessem a pedir desculpa antecipada por enlamearem a boca com tal palavra.
É interessante o efeito repulsivo que uma personagem pode causar. No discurso científico e na comunicação académica, sobretudo nas ciências sociais, a palavra “narrativa” está vulgarizada. É uma importação do contexto anglo-saxónico, onde “narrativa” tem um significado diferente do seu sentido literal quando os leigos a utilizam em língua portuguesa. Por abastardamento – ou, dir-se-ia, por contaminação ditada pela decadência de quem a usou – agora é uma palavra proscrita. E só não está totalmente proscrita porque as pessoas que a articulam no raciocínio, por pudor (como quem diz: “não me confundam com a personagem que popularizou a dita palavra”), pedem desculpa por atirarem “narrativa” para o meio da frase.
O episódio faz lembrar uma patusca personagem que aterrou entre académicos, vinda do meio empresarial. Era uma daquelas reuniões que promove a convivência entre académicos e empresários, para contrariar a imagem feita em que universidades e empresas vivem de costas voltadas. O patusco gestor, num discurso muito educativo em que pretendeu educar os ensinadores, ensinou-nos uma palavra que, julgava ele, nós desconhecíamos: “paradigma”. A folclórica personagem mal sabia que “paradigma” é um lugar-comum nas ciências sociais.
A partir daí, passamos a fugir de “paradigma” como o diabo foge da cruz. O poder do preconceito é danado.

Sem comentários: