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Em melhor dizendo: palavras que, por
terem sido ditas por alguém que é persona
non grata, ficam condenadas ao desterro, sobre elas recai a vergonha de
terem sido ditas por quem arrasta consigo o opróbrio de o ser.
Vem isto a propósito de ter lido e
ouvido pessoas a pedirem desculpa por usarem a palavra “narrativa”. A dita
palavra ficou célebre no espaço público depois de um antigo primeiro-ministro,
que fez uma sabática da vida pública enquanto tirocinava estudos pós-graduados
em ciência política em Paris, a ter repetido numa entrevista na televisão. Eis
o efeito devastador: as pessoas começam a falar; e como no raciocínio se
engatilha a palavra “narrativa”, antes de a usarem metem um parêntesis na frase
para avisarem a audiência que vão usar uma palavra maldita, como se estivessem
a pedir desculpa antecipada por enlamearem a boca com tal palavra.
É interessante o efeito repulsivo que
uma personagem pode causar. No discurso científico e na comunicação académica,
sobretudo nas ciências sociais, a palavra “narrativa” está vulgarizada. É uma
importação do contexto anglo-saxónico, onde “narrativa” tem um significado
diferente do seu sentido literal quando os leigos a utilizam em língua
portuguesa. Por abastardamento – ou, dir-se-ia, por contaminação ditada pela
decadência de quem a usou – agora é uma palavra proscrita. E só não está
totalmente proscrita porque as pessoas que a articulam no raciocínio, por pudor
(como quem diz: “não me confundam com a personagem que popularizou a dita
palavra”), pedem desculpa por atirarem “narrativa” para o meio da frase.
O episódio faz lembrar uma patusca
personagem que aterrou entre académicos, vinda do meio empresarial. Era uma
daquelas reuniões que promove a convivência entre académicos e empresários,
para contrariar a imagem feita em que universidades e empresas vivem de costas
voltadas. O patusco gestor, num discurso muito educativo em que pretendeu
educar os ensinadores, ensinou-nos uma palavra que, julgava ele, nós
desconhecíamos: “paradigma”. A folclórica personagem mal sabia que “paradigma”
é um lugar-comum nas ciências sociais.
A partir daí, passamos a fugir de
“paradigma” como o diabo foge da cruz. O poder do preconceito é danado.
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