In http://lounge.obviousmag.org/entre_ocio_e_sonhos/2013/01/10/clark%20little7.jpg
O outro sonho do menino segredava
ambição. Não era só deitar os olhos no mar. Já de si, era tarefa ousada; na
aldeia, ninguém sabia como era ver o mar com os próprios olhos. Não era só
deitar os olhos no mar, a ambição do menino: queria ver como o mar se deitava
na praia. Queria, em dia de maré viva e ondas medonhas, que um estorninho fosse
seu cicerone adejando as ondas que se despenhavam, furiosas, sobre a praia.
O avesso do mar intrigava-o. Pretendia
ter o olhar desigual das pessoas que admiram a turbulência do mar no rescaldo
de uma tempestade. Elas contentam-se em ser testemunhas frontais do mar. São
como um cais atento que recebe o mar irado que se esgota nas areias remexidas.
Mas as pessoas não conseguem voar aos bastidores das tempestades. Não sabem
como são as costas do mar. Oxalá soubessem – interiorizava o menino. Talvez a
sua têmpera mudasse. Talvez não abjurassem a tolerância. As pessoas
entendiam-se umas com as outras, numa concórdia fermentada pelo conhecimento
dos ângulos diferentes aos que estão acostumados. Ou – continuava a sonhar o
menino – oxalá pudesse ser ele a contar as peripécias de um voo sobressaltado
pelo vento inquieto sobre o mar encapelado. Queria que as pessoas acreditassem
na sua narração. Queria ser escrupuloso na descrição das ondas no seu avesso.
Para que todos soubessem que há um corte de alfaiate que não quadra com a
normalidade que impera.
O menino sonhava controverso. Na sua
inocência, nem desconfiava que há muita gente entediada com os que prometem
descerrar os lados escondidos. A perturbação da ordem seria infâmia sem perdão.
Mas o menino está no tirocínio da existência. Ainda não aprendeu a entender os
crescidos. Nem sonha como é a tremenda complexidade dos crescidos. Quando ele
próprio crescer e for apresentado aos primeiros laivos dessa complexidade, vai
passar um mau bocado. A menos que continue mergulhado nos fantasiosos sonhos e
diligente nas epopeias que promete travar. A menos que se lembre das costas das
ondas e do recorte diferente do naco de terra que se aclara quando a ondulação
se desfaz em espuma efémera.
O menino só sabia uma coisa: os seus
sonhos são maiores do que o mundo inteiro.
1 comentário:
As rosas do deserto, as esculpidas pelo vento, compreendiam como poucos os sonhos do menino. Algumas delas já contavam centenas de anos!
Ventos mais atenciosos não contribuíram só para a sua modelação, foram também incrustadores de poemas e composições musicais. Uma das rosas relembrou um poema de Alberto Caeiro: "se às vezes digo que as flores sorriem" ... Outra recordou uma música que fez questão de fazer chegar ao menino para ele guardar. Pensou ela: "crescer rasura a inocência e não vão os olhos do menino voltar a embaciar durante um dos muitos sonhos que o aguardam ..."
(http://www.youtube.com/watch?v=vqrYLyza52Y&feature=share)
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