In http://www.neoss.com/images/page-section-images/contraindications.jpg
(Um vinho com taninos do agrado dos
cultores da moralidade – de uma moralidade qualquer, que as há tantas, tantos
os gostos por onde elas transitam).
1. Açambarcas toda a riqueza. Um dia
acordaste com a pele virada do avesso. Não soubeste trair a ganância que te
consumia por dentro, enfartaste toda a avareza que se podia conceber, o que custou
um aviltante empobrecimento a muita gente. Numa alvorada, ainda dormias
abraçado à ostentação que afivelaste, a horda rebelou-se. Nada puderam fazer os
soldados do teu exército privativo. A horda manietou os lenientes, liquidou os
mais bravos, saltou as ameias da tua abastada fortaleza, saqueou pelo caminho o
que estava à mão, descobriu o canto onde adestravas o sono. Quando deste conta,
já não fazias contas aos haveres. Já não eras ser vivente.
2. Açambarcas a adrenalina toda. Em
parte, porque te sentes acometido de uma excitação viciante. Em parte, porque
és cultor do heroísmo e crês que os docemente endemoninhados da adrenalina
figuram no panteão dos modernos heróis. Agrada-te a ideia que os outros de ti
fazem: uma bravura tresloucada, mas sem que a batuta se perca dos teus dedos.
Os desafios adelgaçam-se a cada nova epifania desvairada. Haveria de vir um dia:
as hostilidades seriam finitas. Pegaste num automóvel sob efeito de substâncias
ilegais. Os sentidos estavam embaciados, mas julgavas-te penhor de uma bravura
ímpar. Afinal os sentidos atraiçoaram-te. Entraste na estrada pelo lado
contrário. De frente vinha o camião do lixo. Já não ficaste para contar a
contrariedade.
3. Açambarcaste o vinho que havia na
adega no rés-do-chão da tua casa. Já não eras o conhecedor que descobria a
combustão dos paladares escondida em cada vinho. Filiaras-te na dependência.
Bebias os vinhos, dos correntes aos mais raros que na adega repousavam. Não
eras exemplo médico, que os ditos propagandeiam um copo virtuoso às refeições.
O teu fígado parecia o dos gansos antes da degola que os serve de matéria-prima
para o foie gras. Certa noite, as
pernas trémulas tropeçaram nos braços e o teu obeso corpo caiu pela escadaria
abaixo. Só parou, o disforme corpo, na frontaria onde repousavam os favos
vazios que outrora acamaram distintas garrafas de vinho tinto reserva. O vinho
sobrante já não seria para tua perdição, que ela aterrara naquele momento.
(Remate da irmandade dos moralistas:
soubessem ler o livro das instruções que vem agregado à nascença. Ao que os
personagens decadentes contraporiam: “ao
menos não levámos uma existência enfadonha. Houve cores a embelezar a
estreiteza do que fomos, a transformar essa estreiteza numa grandeza sem par.”)
Sem comentários:
Enviar um comentário