17.1.14

Assim falavam os insubmissos

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Eram personagens da diferença, tanta que vogavam nos antípodas do pensamento. Era como se respirassem um ar diferente. Cultivando a indiferença pelos demais, cada um sentia um vórtice de atração pelos outros que figuravam no restrito escol de rejeitados. Eram rejeitados pelos que amealhavam as migalhas dos poderes fáticos. Por causa da sua insubmissão. Ai de quem ousasse congeminar umas algemas agrilhoando a sua independência. Ai de quem os algemasse a uma submissão que não incomodasse o exercício do poder. Eram incómodos. Importunavam-se com a vazia apoplexia que os aprendizes de tiranetes, sob o falaz manto da tolerância, precatavam nos anónimos. Não diziam, mas insinuavam, em insulto à inteligência de quem pensa: “somos vossos fautores, arroteando o conforto de por vós pensarmos.
Eram atirados para as margens pelos poderosos que não conseguiam ter freio neles. Depois de os tiranetes orquestrarem artes maniqueístas, eram olhados com desconfiança pelo numeroso séquito dos mandantes. Às vezes, atiravam-lhes pedras, verbais pedras. Queriam que ripostassem com violência. Às tantas, julgavam os provocadores, não aguentariam tanto apedrejamento e, impacientes, perderiam a razão com o jugo da violência. Mas eles não se descompunham. Eram catedráticos na arte da provocação. Não sucumbiam ao ardil da provocação ensaiada pelos aprendentes. Era quando ao alto de si assomava a fleuma. O pensamento elaborado cuidava do resto.
Não os incomodava serem verberados pelo espartilho da incoerência. Estavam-se nas tintas para os sargaços lodosos que lhes atiravam. Preferiam a dignidade da incoerência à cadavérica sujeição à batuta do poder. Que fossem os mandantes bater a outra porta se quisessem que fossem meros instrumentos. Como essa era a incoerência que lhes esbofeteavam em pose triunfal, apuravam a provocação como esteio do ser. O supremo deleite: o contorcionismo dos argumentos para empalidecer a forquilha dos malsãos tiranetes. Quando eles julgavam que dobravam o braço dos insubmissos, estes contradiziam a contradição anterior, arremetendo por outro lado que os mandantes não conheciam. Estavam sempre a desbravar novas avenidas.
Ó heresia”, suplicavam, atordoados, os tiranetes. Não conseguiam lidar com o pensamento aleatório e sem redis dos insubmissos. Os tutores dos poderes fáticos não intuíam como os seus poderes eram devorados pela insubmissão dos indomáveis. Que se juntavam, em secretas consagrações, depondo o vasto mar de diferenças que os desunia, para erguerem os cálices com mensal periodicidade. Festejando a decadência dos poderosos.

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