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O menino crescia nos sonhos. Por
exemplo: metia as mãos na areia do deserto, a única paisagem que alguma vez os
olhos tinham visitado, e tirava-as molhadas. Fechava os olhos e conseguia
sentir as mãos dentro de água, da água que não existia em milhas à volta (a não
ser no oásis de onde os mercadores a traziam à aldeia). Fechava os olhos. E
via-se a mexer nas águas vagarosas que desciam o caudal de um ribeiro guardado
por fetos e árvores. Às vezes, quando os sonhos cavalgavam no dorso de um alado
cavalo, via as mãos mergulhadas na água do mar que rastejava até beijar a areia
que era sua orla.
O menino fechava muitas vezes os olhos.
Sonhava – e era o entretenimento preferido. A imaginação tomava conta do
pensamento e ele levantava voo da miséria da aldeia sequestrada pela aridez do
deserto. Viajava pelos lugares improváveis. Desembaraçava-se das peias de que
não era culpado, das peias que o sitiavam. Quando os olhos rompiam o usufruto
dos sonhos, cuidava de retratar os sonhos em desenhos pueris. Os adultos não
entendiam os desenhos: os mais boçais reservavam palavras cruas, desdenhavam
dos desenhos, que eram “gatafunhos”, tempo perdido que o menino não usava na
ajuda ao tratamento das reses e das utilidades da casa.
O menino fugia para dentro de si. Dos
outros meninos também, dos que ostentavam a tristeza maior que era a infância
locupletada pela pobreza e pelo infortúnio de terem nascido em terra
amaldiçoada. Mas o menino não capitulava à melancolia a que os adultos diziam
que estava destinado. Enxugava os olhos marejados a cada ralhete e
ensimesmava-se numa torre de Babel que era só sua, impenetrável aos outros
porque dela os outros não tomaram conhecimento. O menino enxugava os olhos à
medida que levitava nos sonhos vorazes. Os olhos ou eram um rosário de
lágrimas, ou baços no trautear do quotidiano a que estava fadado se da aldeia
não se evadisse. O sonho da evasão secava as lágrimas.
Nos sonhos imarcescíveis, onde era
Aladino que ungia bondade e derrotava a miséria dos infantes, uma
resplandecência singular emprestava-se aos olhos. Nos sonhos que não eram proibidos,
o menino era maestro do seu devir. Lá, onde os olhos não podiam ser baços.
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