Billy
Bragg, “Waiting for the Great Leap Forward”, in https://www.youtube.com/watch?v=Zn06juaCNSA
Era uma vez uma Grécia. E
era uma vez um governo salvífico, que, julga-se, deve ter descido à terra dos
mortais com a bênção de deus. De esquerda radical – ou, se os que se ofendem com
eufemismos protestarem, de extrema-esquerda. Um governo que veio salvar a
Grécia dos abutres que só pensem no lucro e da diabólica gesta que apostou na
miséria dos gregos. E, de caminho, com a sua visão periférica das coisas,
pairando muito acima do comum dos mortais, era uma vez um governo fadado para
salvar a Europa de si mesma. Cumprindo-se a profecia civilizacional: dos gregos
veio um património de filosofia e de cultura; aos europeus, pela mão benzida do
Syriza, virá o resgate do abismo de os
europeus que se abeiraram.
Entre outros predicados,
o governo do Syriza e dos
nacionalistas gregos (e ai de quem sussurre tratar-se de coligação abstrusa...)
descobriu o milagre para recuperar as finanças públicas. Já que o mal é a
propensão para fugir aos impostos, contratar-se-ão donas de casa e estudantes e
aliciar-se-ão turistas recém-chegados para atuarem como agentes à paisana a
favor do fisco. Não sei se a medida ressoa à invenção, da lavra de outro
governo do sul da Europa, de sortear automóveis entre os pagantes de impostos
que exigem a fatura a preceito. Quem disse que o governo daqui está em rota de
colisão com o de Atenas?
À suposição de cenários.
Três donas de casa abandonam as lides domésticas. Vão disfarçadas de si mesmas.
Às compras. E ai dos comerciantes que não passarem faturas, que as donas de
casa, ato contínuo, ou chamam a polícia para denunciarem, em flagrante, o
sujeito da evasão aos impostos, ou passam elas mesmas coima monstruosa. Cinco
estudantes sentem o apelo da abstinência (das aulas) só para darem um
contributo para o desígnio público, dando uma dúzia de traulitadas em
comerciantes relapsos ao contributo para o erário público que a lei lhes impõe.
Uma horda de turistas deixa desertas as ruas das cidades onde costumam
protestar contra o capitalismo, a globalização, a fobia do lucro, as
organizações internacionais e os fascistas que são todos os outros, seduzidos
pela causa fraturante de se fazerem passar por agentes infiltrados ao serviço
dos companheiros do Syriza, seguindo
a cartilha garatujada pelo timoneiro Zizek.
Dos cenários expelidos em
suposição, fico em pulgas para ser testemunha das donas de casa disfarçadas de
agentes secretas do fisco (ou de cobradores de fraque do erário público
disfarçados de donas de casa, já nem sei bem). O erário público fica a ganhar,
mas mais divórcios poderão estar a caminho se os consortes não aceitarem a
incumbência patriótica das donas de casa e notarem na imundície que se acumula.
Noto, também, que a esquerda radical ficou silenciosa com o viés de género: só
se fala de donas de casa (no feminino)? E os homens que tratam da lida da casa,
não são elegíveis para a justa empreitada? (Vindo de um governo sem ministras,
não se é apanhado na curva da surpresa, quand-même.)
(E noto um facto
imperdoável. Escrevo “Syriza”. O
corretor ortográfico ainda não aceita a palavra.)
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