All We
Are, “Keep Me Alive”, in https://www.youtube.com/watch?v=_s6Sx4POl3k
Podemos
falar do tempo que não conhecemos sem empregar a palavra tempo?
Uma miríade de estrelas
espreita num oráculo que se revela no fundo de um poço. A menina, a medo, deita
o olhar para as profundezas onde o oráculo boia na água sobrante. A curiosidade
levita: que objeto será aquele, naufragado na água lamacenta que é o fundo do
poço? A custo, consegue ver as estrelas que tremeluzem no vidro claro do
oráculo. As estrelas ensaiam uma coreografia que procura dizer algo. A menina
acha que consegue decifrar os sinais das estrelas dançantes, que consegue
traduzir a coreografia em palavras dizíveis. Debruçada sobre o umbral do muro
que delimita o poço, acumula mentalmente as letras que julga sobejarem dos
lampejos de dança das estrelas diuturnas. Cinco linhas de pensamento acomodaram
as letras todas numa frase inteligível:
“não adies o tempo que te vem parar às mãos. Não adies as alvoradas
frescas na hipoteca dos sobressaltos. Entrega-te ao tempo que tem engenho, o
presente que seduz o porvir. Os riscos ficam para quem esbraceja na inércia.
São prisioneiros do tempo, vítimas dos adiamentos por eles próprios adestrados.”
A menina queria recolher
o oráculo em seus braços. Não se podia inclinar mais. Podia cair nas funduras
do poço e ali ficar, esquecida por toda a gente, esquecida de toda a gente.
Voltou para casa. Eram cinco frases, cinquenta palavras – coisa muita; mas
conseguiu decorar tudo, e esse tudo estava constantemente a ciciar ao ouvido,
como se alguém com ela fizesse o caminho de volta a casa. Ao jantar, não falou.
Julgavam que estava doente. Desmentiu as preocupações. Mas não se descaiu. Não
contou a ninguém que o oráculo perdido no fundo do poço sussurrara, mediante
paços de dança das estrelas fecundas, o segredo que denuncia a obediência aos
adiamentos.
Julgava que tinha o maior
segredo do universo entre as mãos. Anos depois, entrada na madurez, percebeu
que tanta outra gente recebeu a profecia do oráculo (na sua omnipresença). E soube
que poucos foram os que souberam resguardar a lição no regaço. A tirania dos
adiamentos era de uma matéria espessa, impenetrável. E as pessoas sucumbiam,
adiavam-se a si mesmas.
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