Osso
Vaidoso, “Elogio da pobreza”, in https://www.youtube.com/watch?v=eA32AyqG9mQ
Nas tintas para a
riqueza, essa palavra vã e, todavia, endeusada pela gente comum. Tantos havia
que muito faziam para terem um bocado mais de abastança. Nem que hipotecassem a
dignidade e, a certa altura, a palavra dignidade deixasse de ser inteligível. Para
ele, os bens materiais não tinham valor intrínseco. Desprezava-os. A eles e às
mundanas coisas que os cultores da modernidade doutrinaram como essenciais à
pessoa.
Não tinha luz em casa. Nem
água. O espaço dantes reservado à casa de banho fora ocupado por um pequeno
laboratório de ideias onde os livros bolorentos açambarcaram o exíguo espaço.
Não comprava roupas desde que se dedicou à espartana forma de estar. Não
comprava comida; vivia das sobras dos restaurantes onde mendigava. Não ia ao
médico – mas não se lhe conheciam achaques. Não queria saber do vil metal; não
tinha conta bancária, nem porta-moedas, nem carteira para guardar notas. Também
não tinha documentos pessoais, pois julgava que uma pessoa não se pode empenhar
a uma país que os emite.
No inverno, quando o frio
e a neve tomavam conta da cidade por uma época considerável, a falta de luz embargava
o aquecimento da casa. Abastecia-se de cobertores velhos dispensados pelo
hospital e fazia sucessivas camadas que enganassem a invernia. Quando o olfato
protestava contra os odores corporais já insuportáveis, banhava-se numa fonte
cêntrica quando a madrugada fosse alta (e desde que não fosse inverno). Não
sabia o que eram lojas, restaurantes, teatros ou salas de concerto, nem alguma
vez entrara numa galeria de arte. Nem igrejas. Não regateava crenças
religiosas; o agnosticismo nem sequer admitia o reconhecimento de fé alguma ou
de uma divindade fazendo as vezes de timoneira das almas.
Os homens de negócios
aprumados nos seus dispendiosos fatos, com gravatas de seda a preceito, era
como se fossem homens invisíveis quando se cruzavam com ele. Nem ele os via,
nem os executivos tomavam como digna a existência maltrapilha que deixava atrás
de si um cheiro fétido. Não fosse o agnosticismo, dir-se-ia que o eremita era
um monge refugiado num castelo só dele bem no meio da cidade. Mas um dia, ao
vasculhar o lixo à procura de coisas úteis, descobriu uma mala de executivo
cheia de notas. Alguém a perdera a caminho do banco, ou era dinheiro sujo
deitado fora por causa de perseguição do polícia. Contou as notas, enquanto se
escondia num beco perto daquele lugar. Tomou uma resolução: tomaria posse de
toda aquela fortuna.
Três meses depois,
entrava todas as manhãs na bolsa de valores para transacionar ações cotadas.
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