Dandy Warhols, “Godless” (Massive Attack Remix), in https://www.youtube.com/watch?v=ga41P9IstUo
Vende-se, pela melhor
oferta, terra aquartelada na periferia, outrora expoente de uma grandeza espalhada
pelos cantos do mundo. Terra de gente tristonha, que entroniza o fado como fiel
depositário do taciturno estado de espírito. E que, ato contínuo, se torna
gente folclórica na sagração da folia inestética. Vende-se: pedaço de terra com
larga varanda para o mar atlântico. Mais um inestimável património, a língua
pátria, comum a gente alojada noutras terras longínquas. Não se vendam os
tutores da língua, os que a eternizam em estrofes de ouro, os que reinventam a
língua mercê da sua verve. Mas venda-se o resto, a saber: as paisagens
deslumbrantes, o ócio da gente, a gastronomia opípara, os hábitos secularmente
boçais, a hospitalidade e a desconfiança ao mesmo tempo, as recordações da
história que enchem manuais e devolvem a tristeza à pequenez em que esta terra
se transformou, a ciência dos sábios que ainda não fugiram para o exílio e a
agnosia do povo militante, as prósperas e as falidas empresas, os profissionais
da política de uma ponta à outra, os despretensiosos fautores de cultura e os
diletantes abencerragens da cultura mergulhada no seu nada, as expiações de
antanho e os talhantes das tradições, os velhos e os mais novos, os diademas do
turismo e o suplício dos emigrantes reentrados, as artes que prestam e as que
se emprestam com o bom grado de não serem devolvidas. Venda-se cada milímetro
da terra toda e dos mares também. Aos que vierem arrematar este periférico
pedaço de terra, promessas de mel, flores, perfumes, melopeias encantatórias,
gente que é uma gesta admirável, que não dobra nem quando as contrariedades
ganham o tamanho de um monstro indomável. Venda-se pela melhor oferta. Pode ser
que os forasteiros consigam cuidar desta terra como nós não sabemos, ou não
somos capazes. Venda-se, pois. Sem condições inacessíveis que possam travar o
negócio. E nós, os habitantes desta terra em saldo, saibamos que não nos é consentido
o ócio pelo ócio, a inveja pela inveja, nem o epidérmico ódio que se fermenta
em si mesmo. Que saibamos desviar o suicídio (coletivo). Se não nos abstrairmos
deste património genético, ninguém virá a mercado fazer oferta de arrematação
deste pequeno, mas plural, pedaço de periférica terra. Sejamos, ao menos uma
vez, a antítese da genética linhagem, nem que tenhamos de nos congraçar na
indumentária de atores. E, depois, o último a sair que apague a luz.
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