Múm, “Sing
Along”, in https://www.youtube.com/watch?v=VeaRDcdwrZg&list=PL33kNpqOQ7kQm4W0TUEfGfojApwae_TzA
Passa na televisão uma
rubrica, que dura um singelo minuto, sobre a arte de dominar a língua materna.
É lançada uma pergunta, normalmente “como
se escreve a seguinte palavra”, e oferecidas duas hipóteses de resposta.
Uma delas, por via de regra, está certa. Depois vemos imagens do inquérito de
rua que apanha o cidadão comum com o propósito de – não sei bem – instruir o
público acerca do domínio da língua materna ou enxovalhar os cidadãos apanhados
em falso com uma resposta errada.
Já sei: não é, não pode
ser, mister dos programadores fazerem corar de vergonha os cidadãos que, em ato
generoso, emprestaram o rosto e a ignorância (ou o deslize pontual), como se
fossem cobaias para a educação do povo. Mas, no fim de contas, é lá que
desaguam as coisas. Imagine-se o cenário montado: somos apanhados na dobra de
uma esquina, a jornalista de microfone empunhado a disparar a pergunta sobre a
língua materna, fazendo-se acompanhar de uma câmara de filmar a tiracolo que
funciona como o agente que intimida. Ato contínuo, escolhemos a opção errada
para a pergunta que se nos esfregou no rosto. Tempos depois, no retiro do lar
ou no bulício do café a meio do pequeno-almoço com os colegas de trabalho, aparecemos
no ecrã em lamentável exibição de pontual ignorância do idioma. Não ficamos bem
na fotografia. E não é bonito saber que uma multidão de tele-espetadores, mais
instruídos que nós, sabia a resposta certa e, para cúmulo, escarnece do erro na
resposta.
Isto faz lembrar alguns
proto-catedráticos que, à falta de ocuparem o tempo com coisas úteis,
desalfandegam a sua enorme sapiência, ocasionalmente untada com umas pitadas da
erudição que os distingue da maralha, mas depois escorregam para o erro
ortográfico ou para os atropelos à sintaxe. É quando o povo, na sua
anti-erudição que se eleva ao altar do lugar-comum, sentencia que é na melhor
fazenda que a nódoa aterra.
Por isso, proponho que as
escrituras se abram a um oitavo mandamento: “não escarnecerás dos pontapés na gramática dos outros”. Só dos
teus, para tudo ficar em harmonia. (Até porque faz falta a capacidade para não
nos levarmos a sério.) E antes que o telhado se abata sobre a minha cabeça,
fico já por aqui para não continuar a produção de palavras que me pode levar ao
purgatório do ultraje à gramática.
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