Brian Eno & David
Byrne, “Strange Overtones”, in https://www.youtube.com/watch?v=6DQyusKTAh4
Queria, que queria,
ficar imortalizado nos livros que fabricam a moldura da história. Não se
contentava com a modesta presença no tempo que devia arrebatar todo o capital
da atenção. Não enjeitava a possibilidade de uma rua ficar com o seu nome – era
reconfortante justapor a possibilidade ao frémito da existência atual, como se
a perenização do seu nome fosse o salvo conduto para aguentar as terríveis
dores do tempo por que navegava. Dizia:
- Como gostava que se lembrassem de mim depois
de deixar de contemplar as pessoas e as coisas do mundo.
Contrapus:
- Como é possível isso tomar tanto do teu tempo?
Como podes deixar que se transforme um projeto de vida?
E antes que
prosseguissem as interrogações, disparou com ferocidade:
- Julgo que já reuni méritos bastantes para a
posteridade ficar com a minha marca eterna.
Não compreendendo o
propósito, devolvi em forma de pergunta:
- Mas se nessa altura já estás morto, nem
chegas a tomar sabor ao pedestal em que te entronizarem.
Acenou com a cabeça,
em ar de reprovação, parecendo desinteressar-se da dialética:
- Estamos em planos diferentes. Tu não crês na
vida para além da morte do corpo. Eu acredito que pairamos sobre as cinzas que
a morte destina ao corpo. Acredito que podemos, numa dimensão exterior, ser
testemunhas dos acontecimentos terrenos. Ser reconhecido depois da morte não é
uma inutilidade. Não é uma futilidade.
Sem querer dar
seguimento à polémica metafísica sem, contudo, deitar água na fervura,
prossegui com o raciocínio:
- Não é por aí que vou. Não se trata de
admitir que prolongamos a existência depois do funeral. Vem antes de tudo isso.
Não atribuo grande préstimo ao reconhecimento público. Aliás, não atribuo
nenhum préstimo, para o formular com o devido rigor. Fujo dos néones, que são
uma fustigação. Em vida, ou depois dela. Se bem que, admito, depois de lançarem
as minhas cinzas ao mar, é indiferente o que vierem dizer ou pensar nos
despojos da minha existência.
Atónito com estas
palavras, pois elas transgrediam com a sua estrutural forma de ser, advertiu:
- Ainda te hei de ver a engolir essas
palavras.
O que me deixou
sossegado, presumindo que ele concebia a sua morte antes da minha, e que eu,
aprisionado na descrença geral, não teria oportunidade de observar o que se
viesse a passar depois dos despojos serem lançados ao mar.