Shriekback, “This Big Hush”,
in https://www.youtube.com/watch?v=6B1qxn-RoWA
Uma lanterna que deixa de ser precisa: a destemida
claridade ocupa o lugar das trevas outrora imperatrizes. Uma claridade
incensada numa fonte que irradia de um manancial imprevisto.
Arde um fogo. Um fogo que nasceu para ser o assisado
farol que deita a claridade por diante em sucessivas camadas, deixando ver o chão
por onde os pés têm mapa. Um fogo imponente, que tudo ilumina à sua volta. Um fogo
que, todavia, não é uma soalheira irradiação. É como se fosse possível ter um
fogo gelado, em contraponto com a possível hipótese do gelo que queima. É um
fogo que se pressente antes de se fazer notar com as chamas vivas que bolça
para o exterior. Ao jeito de um vulcão, pressente-se mercê do estremecimento
que abala os esteios por dentro. O estremecimento é o pré-aviso do fogo que está
para irromper. Do fogo que arde antes de se ver. Fazendo-se valer das veias
ferventes que querem vomitar uma explosão para fora de si. O corpo em urgente
demanda de sair de si mesmo, projetando-se em mil diferentes imagens através de
uma erupção tormentosa, numa explosão de chamas que reproduz no céu do mundo
inteiro imagens desmultiplicadas do corpo em erupção.
Mas esse corpo não se oferece ao mundo em colossal
ousadia. A projeção para os céus não é sinal de colonização de nada. Apura,
apenas, a urgência em sair de si numa explosão que o atire cá para fora,
celebrando os deslimites de si mesmo. Porque o corpo arde por dentro, numa
ebulição constante que deixa à mostra o fogo que arde antes de se ver. Arde por
dentro por não aguentar os atilhos que o prendem a uma castração que insinua a
implosão do corpo.
O fogo que arde antes de se ver é a hipótese da libertação
pressentida. Como se um sol inteiro despontasse por dentro da mais elementar
matéria do corpo e se aprumasse em torrente imparável. Atirando para fora de si
uma explosão de fogo que é um gutural clamor para a reivindicação do corpo. Nessa
altura, o fogo que arde já se vê.
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