Angel Olson, “Shup Up Kiss
Me”, in https://www.youtube.com/watch?v=nleRCBhLr3k
Tantas vezes
atraiçoamos a medida do tempo quando juramos ser derradeira uma vez em que se
compõe um cenário, ou que certas palavras são proferidas, ou que determinado
comportamento é cinzelado. Uma última vez que o tempo posterior declara
fracassada, mercê da recorrência do cenário, das palavras, ou do comportamento
que se havia jurado terem sido vezes últimas.
Às vezes, sobressalta
saber que a última vez não foi última vez nenhuma – é como se o próprio tempo,
ou apenas a vontade, ou só a conjugação das circunstâncias, atraiçoasse os
sentidos. Outras vezes, a razão da desmemória previne a tomada de conclusões: a
neblina do tempo torna as recordações opacas. Para certas pessoas, a última vez
frustrada é uma apoquentação, a raiz quadrada de uma ausente coerência que
fermenta uma dor interior difícil de aplacar. Para outras pessoas, a frivolidade
de tudo ajuda a tolerar as últimas vezes que, afinal, mereceram repetição: só o
são, vezes derradeiras, enquanto não forem decretadas efémeras pela conjugação
de elementos que cuidou de as sufragar ao temporário.
É mais frequente o
definitivo intrometer-se sem notícia, ou sem termos feito provisões cautelares
a tal propósito. Não precisamos de decretar uma última vez para que ela
aconteça. Quase sempre, nunca sabemos se um acontecimento, uma palavra, ou um comportamento
tiveram palco pela vez última; o jogo das probabilidade acentua a hipótese de
virem a acontecer mais tarde, sem pré-aviso, pelo simples jogo das
circunstâncias aleatórias – ou não. Na falta de inventariação das vezes
efetivamente últimas, podemos ser atores de acontecimentos, podemos proferir palavras,
ou podemos cair em comportamentos que não sabemos, nem podemos saber, que são
episódios últimos. A ironia está no paradoxo das coisas: às vezes que juramos,
ou apenas julgamos, terem sido últimas vezes e frequentemente elas o não são; e
tantas são as vezes únicas, ou outras que o não sendo à partida não merecem
repetição, sem que elas venham inscritas no rol das últimas vezes.
Por isso digo que não
adianta sermos prisioneiros da perenidade. É inútil proclamar vezes últimas.
Porque se podem reiterar, para desilusão de quem as julgou definitivas. Ou,
simplesmente, por não ter utilidade registar em folhas solenes (porque o perene
merece tamanha solenidade) o que julgamos ser vez última. Não interessa. De
cada vez que temos a impressão que uma vez foi derradeira, é um atalho para a
finitude da existência.
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