Jane’s
Addiction, “Jane Says” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=Z0hFQdEUQKM
Não paravam de dizer que um livro fechado não tem
préstimo. Que o livro fechado era a antítese de um livro. Nunca perguntaram,
todavia, se o livro era um perene encerramento sobre si mesmo, como se
proibisse de se revelar aos olhos curiosos, ou se não havia olhos curiosos para
transitar pelas páginas do livro. Não se sabia a resposta, simplesmente.
Até a haver resposta cabal, o que sobrava era o livro
fechado, virgem aos olhos curiosos. Um maço de folhas diligentemente articulado
em forma de livro, com capa e título, como é norma entre os livros. Ninguém
sequer sabia se as palavras dentro do livro rimavam com o título. Ele às vezes
há fautores de palavras que surpreendem ao sobreporem um título improvável ao
livro que, depois de lido, não encontra correspondência com o título. Mas nem sequer
essa empreitada estava em causa. Quem deitou os olhos no livro não ficou com um
registo do título na memória. Apenas a impressão – e aqui a palavra vinha ao de
cima com toda a vivacidade – de que o livro nunca tinha sido desfolhado. A
impressão de que o livro contava uma história que nunca fora vista por leitor
nenhum. Talvez um livro inútil, de acordo com as pretensões liminares de
alguns. Se assim fora, eles eram culpados desse estado de coisas. Se o livro
esteve em suas mãos, ou pelo menos ao alcance dos olhos, sem terem as suas
palavras sido digeridas, esses não leitores eram responsáveis pela virgindade
que contaminava o livro.
Mas esta discussão era outra inutilidade, porventura de
maior jaez do que povoar o livro com o opróbrio da inutilidade. Pois não há
livros que possam estar destinados a este ultraje. Mesmo os que se empoeirem em
estantes ou em livrarias sem terem o uso da leitura. O livro fechado é um
oráculo sobre uma curiosidade que ficou por saciar. Não se sabe as cores das
palavras por dentro do livro, os sortilégios que possam conter, a trama, ou se
se trata apenas de um livro-tese, ou de um livro sem preparos de literatura mas
que, todavia, empresta uma finalidade a quem o lê.
O livro fechado é um segredo com cortinas de ferro. Um
autor que fica por descobrir. Às vezes, é o melhor desiderato de um livro. Porque
o autor quis, em paradoxal exercício, reservar o livro dos olhos outros. Em
assim sendo – perguntarão os perplexos – que finalidade teve o autor ao dar o
livro à estampa? A resposta: fazer com que o livro fechado que o autor é seja
um pouco menos fechado a partir da sua possível abertura em forma de livro.
Mesmo que seja para o livro continuar perenemente fechado.
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