4.8.16

Porto franco

Savages, “I Am Here”, in https://www.youtube.com/watch?v=95MEmuHJfW0
Depois do muito mar tempestuoso: o porto franco. Cais generoso que dá guarida ao corpo cansado a precisar de curar as cicatrizes. Num substabelecimento temperado das almas enegrecidas. Na intermediação das pedras hercúleas que protegem o porto franco das águas iracundas destemperadas pela desordem dos elementos.
O corpo, cansado e com cesuras, abriga-se no cais lodoso. Nunca águas pestilentas foram tão aguardadas. Nunca um lugar sombrio – que o cais dentro do porto franco é um oráculo de sombras – foi tão contemplado como festim de superação. Mas um festim discreto, em silêncio, sem exibições ufanas que sinalizem a proeza, pois o corpo cansado e com marcas vivas da torpeza do mar tempestuoso não se presta a tais cometimentos. É o contrário: celebração silenciosa, desembainhando a profundidade de um sentimento devolvido a alguma pureza.
O porto franco já não é só uma promessa que se não sabia se podia ser arrematada. Já não é o temor de ser apenas uma miragem, quando o dente furtivo do mar tempestuoso mordeu fundo na carne do pescoço e a sangrou abundantemente. Já não é uma insegura imagem confundida com um sonho, um daqueles sonhos que se não sabe se é sonho ou se os sentidos estão de atalaia. O porto franco é o regaço que se espraia no domínio do olhar, quando o mar cavado se acetina num leito espraiado ditado pela moderação dos elementos imersos em sua rebeldia. Do porto franco recolhe-se a matéria fresca que se deita sobre as cicatrizes, um remédio que vem a preceito para o corpo tão cansado e que já estava a uma légua de distância da rendição.
Para uns, o porto franco é o lugar definitivo. Estão cansados de tanta demanda, cansados de serem presas fáceis de um mar inescrupuloso. Para outros, o porto franco é um lugar provisório, o cais onde se deitam para ser devolvida novidade ao corpo. Não é o santuário que os resgatou à demência do mar. Faz-lhes falta o mar vadio. Faz-lhes falta, depois de uma monotonia, meter mãos à obra e derrotar o mar vadio que se vier a compor. Para depois virem ao porto franco resgatar as forças e curar novas cicatrizes. Que essa é a sua serventia.

1 comentário:

Alcino Pinto disse...

Derrotar o "Porto fraco", é o verdadeiro sentido das pontes que a vida nos obriga a construir. É aprender a ser feliz, acreditar que merecemos o melhor.

Abraço cheio de amizade,

Alcino