24.8.16

Vagar

Sigur Rós, “Varúð”, in https://www.youtube.com/watch?v=TCDGlGK2aaQ
E se tudo fosse fruído vagarosamente? Com a devida apreciação do tempo consumido, para que não houvesse a impressão que fragmentos do tempo se perderam entre os dedos. Para ser permitida a devida contemplação, a função de trazer de entre as nuvens os fragmentos que a observação apressada não permite agilizar. Não é indulgência do tempo próprio da época estival, em que se concebe o tempo no seu arrastamento, sem dele derivar a vertigem que tudo consome, nem um espelho frenético que decompõe em parcelas avulsas o tempo que acaba por se esvair entre as mãos.
Passamos tão depressa por quase tudo que temos uma noção efémera da própria existência. É como se vivêssemos dentro de um relógio apressado, um relógio que ditasse a entorse do tempo e o fizesse transbordar das medidas acertadas pelas convenções. Às vezes, julgamos que este é o critério imperativo porque uma vida é sempre necessariamente breve (mesmo quando, para os padrões da duração da vida, é longa).
Somos glutões. Do tempo e do que dentro dele podemos fazer, ver, ler, visitar, experimentar, contracenar nos sentidos. Queremos que tudo seja depressa. Numa avidez que distrai os sentidos. Frequentemente, somos pouco mais do que espetadores frugais. Estamos pouco tempo numa cidade desconhecida; passamos depressa por museus; saltamos de lugar em lugar porque estamos ansiosos por conhecer muitos lugares ainda desconhecidos; lemos depressa, porque a lista de leituras em espera é obesa; temos conversas breves, porque somos devedores de conversas com outras pessoas; enjeitamos a perseverança do tempo, mesmo quando admitimos que o vagar é o método para reter as impressões que, de outro modo, são superficiais.
Não aprendemos. Continuamos remetidos à bitola da voracidade. E a desprezar o vagar que nos traz conforto, que estende as baias mentais além das fronteiras imprimidas pela normalidade. Soubéssemos distinguir as classes de acordo com a sua importância, saberíamos que a qualidade rende mais do que a quantidade. Consagrar o vagar é deixar emergir este princípio. Reconhecê-lo, mesmo quando depois as mãos pragmáticas o retorcem, é um começo. Pois, tal como os idealistas do vagar ensinam, tudo se faz devagar e com critério.

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