New Order, “Dreams Never
End”, in https://www.youtube.com/watch?v=zrh5kaWfyMQ
Eram sonhos a rodos. Emaranhados uns nos outros. Sonhos
sem sono, no mais puro dislate dos sonhos enquanto não havia sono. O homem lunático
– se se aceitar a metáfora da lua como abstraimento de si. Ele, todavia,
porfiava. Não lhe interessava que o mundo inteiro passasse na soleira da sua
porta, e ele indiferente ao mundo inteiro. Assim como assim, esse mundo povoado
por algemas da vontade, por fautores da impiedade, por gente a medrar na
hipocrisia, o mundo inteiro surgindo na tela embaciado por sombras impenetráveis
– esse era o mundo que fermentava a miríade de sonhos. Dos sonhos como
contraponto.
Por dentro da simulação de que fora arquiteto, não
sobrava tempo para deitar os olhos ao mundo como ele era. Não queria a sua
quota das dores de parto de um mundo malnascido. Que dissessem que era refém das
alucinações, ou que desaprendera de coabitar com os outros, não lhe importava. O
homem em seus sonhos não parava de os apascentar com diligência, os sonhos
cuidadosamente tratados dentro de uma candeia que não podia ficar sem combustível.
Compostos em fina partitura, os sonhos desenfiavam os alqueires de mundo
malnascido para o limbo do olvido. Que dissessem que era um estado de negação,
talvez uma patologia: pouco importava ao homem penhor dos sonhos prolixos. Os
sonhos eram a armadura de que precisava.
Mas o homem tinha um sonho sublime, dir-se-ia, o sonho
imperador de que procediam todos os outros: o sonho de não precisar de hibernar
por dentro de sonhos sem fim, sonhos entrelaçados uns nos outros, sonhos dando
origem a sonhos outros, num encadeamento interminável de sonhos. O sonho
impraticável – sabia-o, preso às sombras do mundo que não o deixavam ter outro
olhar do mundo se não um olhar de sombras densas e irremediáveis.
Por dentro dos sonhos metódicos, o homem aprendera a
conviver consigo sem ter vergonha do que via.
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