5.8.16

O homem e o seu sonho

New Order, “Dreams Never End”, in https://www.youtube.com/watch?v=zrh5kaWfyMQ
Eram sonhos a rodos. Emaranhados uns nos outros. Sonhos sem sono, no mais puro dislate dos sonhos enquanto não havia sono. O homem lunático – se se aceitar a metáfora da lua como abstraimento de si. Ele, todavia, porfiava. Não lhe interessava que o mundo inteiro passasse na soleira da sua porta, e ele indiferente ao mundo inteiro. Assim como assim, esse mundo povoado por algemas da vontade, por fautores da impiedade, por gente a medrar na hipocrisia, o mundo inteiro surgindo na tela embaciado por sombras impenetráveis – esse era o mundo que fermentava a miríade de sonhos. Dos sonhos como contraponto.
Por dentro da simulação de que fora arquiteto, não sobrava tempo para deitar os olhos ao mundo como ele era. Não queria a sua quota das dores de parto de um mundo malnascido. Que dissessem que era refém das alucinações, ou que desaprendera de coabitar com os outros, não lhe importava. O homem em seus sonhos não parava de os apascentar com diligência, os sonhos cuidadosamente tratados dentro de uma candeia que não podia ficar sem combustível. Compostos em fina partitura, os sonhos desenfiavam os alqueires de mundo malnascido para o limbo do olvido. Que dissessem que era um estado de negação, talvez uma patologia: pouco importava ao homem penhor dos sonhos prolixos. Os sonhos eram a armadura de que precisava.
Mas o homem tinha um sonho sublime, dir-se-ia, o sonho imperador de que procediam todos os outros: o sonho de não precisar de hibernar por dentro de sonhos sem fim, sonhos entrelaçados uns nos outros, sonhos dando origem a sonhos outros, num encadeamento interminável de sonhos. O sonho impraticável – sabia-o, preso às sombras do mundo que não o deixavam ter outro olhar do mundo se não um olhar de sombras densas e irremediáveis.
Por dentro dos sonhos metódicos, o homem aprendera a conviver consigo sem ter vergonha do que via.

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