30.8.16

Antes pelo contrário

Moderat, “Bad Kingdom”, in https://www.youtube.com/watch?v=3NPxqXMZq7o
Tens de concordar comigo neste assunto de que te vou falar.” Para começo de conversa. Antes mesmo de saber qual o assunto sobre o qual teria eu de concordar e, menos ainda, sobre o raciocínio que conduziria a uma certa conclusão. Com a qual teria de concordar à partida, quase como se fosse pedido para assinar às cegas um contrato cujo conteúdo seria depois lavrado por outrem.
Para começo de conversa, é um mau começo. Desconheço se há ingénuos que assinam contratos em branco. Desconheço se há gente que precisa de garantir, antes do tempo, que outros concordem com as suas prescrições do mundo e se isso não sela uma falta de autoconfiança ou, em possibilidade alternativa, um trejeito maniqueísta. Sondar os imperscrutáveis meandros da personalidade alheia é mister de peritos na poda, o que não é, manifestamente, o meu caso. Sei que, para começo de conversa, é uma imprevidente e mal-amanhada tática. Talvez por causa do mau feitio congénito, quando se me oferece semelhante começo de conversa sei à partida como vai ser o seu fim. Nem quero saber do assunto que aí vem, nem sequer do fio condutor que há de conduzir a uma certa conclusão. Apenas sei que vou discordar do que quer que seja que ainda me vai ser anunciado.
A menos que se trate de um interlocutor adestrado na arte da manipulação, de alguém que saiba não estar seguro dos argumentos e que, por esse motivo, precisa de caução exterior, começar uma conversa com a alocução “tens de me dar razão” sobre uma incerteza não é sensato. Se do outro lado estiver um interlocutor avisado, terá de ouvir o que houver préstimo para discorrer sobre o assunto e, só então, discernir se o pedido inicial pode ser atendido ou se merece ficar deserto. As conversas, quando são destinadas (por quem as começa) a receber uma caução argumentativa, não podem começar pelo seu fim; seguem o seu curso, com a filtragem dos argumentos, deixando ao interlocutor a liberdade de conferir, ou não, a razão que o outro requisita.
Quando o interlocutor medra num mau feitio incorrigível, este começo de conversa é a garantia de que, no final dela, a resposta à inquisição inicial será “antes pelo contrário”.

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