Massive Attack, “Anti-star”,
in https://www.youtube.com/watch?v=eyBS6_SbjxE
Os cemitérios cheios de heróis. Ou de gente convencida
que foi autora de proezas com a marca de água do heroísmo. E gente na terra,
viva gente, que perpetua mitos. Talvez projetem para a sua própria posteridade,
naquela altura em que deixarem de ser gente viva, o seu quinhão de heroísmo. É
como se em vida antecipassem os rituais que ambicionam no cemitério que for seu
lugar. E em vida antecipam esses rituais, prestando homenagem aos heróis que
projetam ser sua condição mal deixem de pertencem ao mundo dos vivos.
Vivos destes deixam uma peugada inerte. São apenas uma
metáfora dos mortos que querem ser, na habitual sinfonia de celebrações
imediatamente pós-morte – os epitáfios. Porque no rescaldo da morte, todos ascendem,
ao menos na homenagem consagrada pelas convenções sociais, a heróis que merecem
consagração como tal. Esta é das maiores ofensas contra a monumentalidade da
vida. Não é quando as pessoas emigram para os cemitérios, quando perdem o seu
lugar entre os vivos, que devem ser homenageadas, como se fossem heróis por
terem entrado no panteão a que pertencem todos os mortos (menos os que, de tão
anónimos, não são credores de tamanha vassalagem). É uma metáfora à condição.
As carpideiras que, com lágrimas ou sem elas, praticam
epitáfios, às vezes em desmedidas memórias que tributam ao falecido um homérico
quinhão na história da sociedade a que nunca teve direito em vida, são os
transmissores de um código de conduta que se perpetua entre as gerações. Para
que ninguém perca, na exata medida da sua mortal condição, o lugar de herói que
é reivindicado, mas pelos outros, quando não tem serventia. Porque o homenageado,
que é cadáver, já não tem os sentidos ativos para apreciar a deferência.
Apetece deixar lavrado em letra de testamento, com
incumbência testamentária a alguém, que à data da minha morte seja apenas
esquecido como alguém que partiu para a pira onde o corpo será incensado e
devolvido, em cinzas, ao mar mais próximo.
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