9.8.16

Metáfora à condição

Massive Attack, “Anti-star”, in https://www.youtube.com/watch?v=eyBS6_SbjxE    
Os cemitérios cheios de heróis. Ou de gente convencida que foi autora de proezas com a marca de água do heroísmo. E gente na terra, viva gente, que perpetua mitos. Talvez projetem para a sua própria posteridade, naquela altura em que deixarem de ser gente viva, o seu quinhão de heroísmo. É como se em vida antecipassem os rituais que ambicionam no cemitério que for seu lugar. E em vida antecipam esses rituais, prestando homenagem aos heróis que projetam ser sua condição mal deixem de pertencem ao mundo dos vivos.
Vivos destes deixam uma peugada inerte. São apenas uma metáfora dos mortos que querem ser, na habitual sinfonia de celebrações imediatamente pós-morte – os epitáfios. Porque no rescaldo da morte, todos ascendem, ao menos na homenagem consagrada pelas convenções sociais, a heróis que merecem consagração como tal. Esta é das maiores ofensas contra a monumentalidade da vida. Não é quando as pessoas emigram para os cemitérios, quando perdem o seu lugar entre os vivos, que devem ser homenageadas, como se fossem heróis por terem entrado no panteão a que pertencem todos os mortos (menos os que, de tão anónimos, não são credores de tamanha vassalagem). É uma metáfora à condição.
As carpideiras que, com lágrimas ou sem elas, praticam epitáfios, às vezes em desmedidas memórias que tributam ao falecido um homérico quinhão na história da sociedade a que nunca teve direito em vida, são os transmissores de um código de conduta que se perpetua entre as gerações. Para que ninguém perca, na exata medida da sua mortal condição, o lugar de herói que é reivindicado, mas pelos outros, quando não tem serventia. Porque o homenageado, que é cadáver, já não tem os sentidos ativos para apreciar a deferência.
Apetece deixar lavrado em letra de testamento, com incumbência testamentária a alguém, que à data da minha morte seja apenas esquecido como alguém que partiu para a pira onde o corpo será incensado e devolvido, em cinzas, ao mar mais próximo.

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