8.8.16

Quantos dias tem a penumbra?

God Is an Astronaut, “Fragile”, in https://www.youtube.com/watch?v=RiE7wlow090
Faz-se o inventário das lágrimas necessárias para exaurir a melancolia. Faz-se o passal por onde se extinguem os fogos que incineram a alma. No convencimento de que lágrimas e melancolia e o resto que adultera a alma são provimentos de uma penumbra que adia o tempo; pois essa penumbra não pode fazer parte do tempo, trata de o locupletar, de o esvaziar por dentro.
As lágrimas, o sargaço tóxico da melancolia impura, são o vazamento da alma, ou do que sobra dela. É como se o tempo de que se é tutor perdesse matéria e só se desse conta do fenómeno quando, mais à frente, a alma retomasse o contacto com o tempo e notasse como uma parcela dele se evaporou na perda contínua da alma. Por isso, a interrogação: quantos dias tem a penumbra? Quantos dias, em deletéria consumição das raízes profundas ao ponto de elas parecerem já delgadas, sem serem bulidas ao primeiro abalo telúrico que aparecer pela frente?
As férteis divindades gritam contra as paredes entumecidas, vociferam pregões gastos e, todavia, necessários, contra a gasta imagem que o rosto dá de si no espelho-juiz. Mas os ouvidos, ou a lucidez, podem estar anestesiados pela melancolia que foi imersão profunda nas raízes da alma. Sitiado, o corpo não responde. O pensamento parece absorto, nas alturas em que faz alguma prova de vida, que nas demais parece em profunda hibernação, insensível às ignições de que carece. A penumbra adia-se, toma conta da luz soalheira, substituída por uma timorata luz lunar, como se se tratasse de uma lua madraça e em ocaso.
Ainda há um módico de lucidez para voltar a interrogar quanto se demora, em estalão de dias, a penumbra que colonizou tudo o resto. A interrogação é um começo de inspiração para mudar o estado das coisas. Só se a hibernação fosse profunda e irremediável é que não haveria lugar à interrogação-ponto-de-partida. E tudo parece precisar de voltar à casa da partida, depois de serem reformuladas as perguntas que importam, depois de o pensamento ir ao fundo dos fundos e de lá resgatar as centelhas que desembaciam a penumbra estagnaste.
E depois sobram as promessas da posteridade por cumprir. Sem o sal das lágrimas, nem as trevas profundas que as cultivam, nem a melancolia que sobra como pano de fundo. Apenas com a água cristalina vertida pelas mãos lavadas na centelha da posteridade.

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