15.9.16

A avenida das sete rosas


Noiserv, “Sete”, in https://www.youtube.com/watch?v=KAOZqCiMejQ    
§1
A avenida extensa, descendo para o leito do rio seco. A aridez da avenida apenas interrompida por sete bem contadas brancas rosas abotoadas em canteiros que ninguém plantou.
§2
Contava as rosas de cada vez que descia a avenida – e eram tantas as vezes, quase todos os dias. A cada contagem, sempre sete. Imaculadamente brancas, com um esplendor que era a antítese da luz baça daquele lugar com a monotonia de um deserto. Um dia, saiu do carro. Não era atitude sensata: o trânsito era intenso e os automóveis viajavam depressa. Tinha de ver as rosas de perto.
§3
Atravessou a avenida para chegar aos canteiros por ninguém plantados no separador central, onde vicejavam as rosas flamíferas. Cheirou uma das rosas. A rosa encolheu-se. Estranhou. As rosas tinham como habitat a poluição combinada dos automóveis a alta velocidade e da constante bruma quente que parecia meter um garrote na respiração das pessoas. Mesmo assim, a rosa encolheu-se ao sentir o seu arfar bisbilhoteiro.
§4
As rosas interrompiam o marasmo da paisagem desértica. Era a única vegetação num raio de quilómetros. Um dia perguntou-se se não seria por isso que achava as sete rosas encantadoras – elas derrotavam a emaciação daquele lugar. Mas não era só isso. As rosas estavam enraizadas num solo seco, árido, num lugar onde (diziam as estatísticas meteorológicas) chove quatro dias por ano. Os fenómenos, geralmente, cativam a atenção das pessoas.
§5
No outro dia, voltou ao separador central da avenida para nova visita às rosas. Era um dia de calor ainda mais insuportável do que o habitual. Queria recolher um naco de perfume de uma das rosas; podia ser que esse aroma se tornasse perene, para contrastar com o cheiro nauseabundo que enxameia a cidade onde a salubridade não foi arranjada. A rosa já não se encolheu. Deixou-se cheirar. Seguiu para a rosa vizinha. Também não se encolheu – e o aroma era igual ao da primeira rosa. Percorreu todas as sete rosas. Só uma tinha um aroma desmaiado. Podia ser uma rosa diminuída. Ou uma rosa doente.
§6
Nos dias seguintes, não houve uma vez que não atravessasse a avenida concorrida. Ficou preocupado com a rosa que podia estar doente. Confirmou. A rosa estava a murchar. A sua cor já não era o branco luminoso das rosas parceiras. Desviou o olhar para as demais rosas. Existirem naquele lugar inóspito era sortilégio. Tinha de contactar um amigo dos bancos da escola, que depois se especializou em botânica, para lhe dar conta do fenómeno. Se a rosa murcha perecesse, as outras seis reuniriam a sua força extinta.
§7
 Nos dias seguintes, não saiu da cama. Estava adoentado. Com náuseas, intensas dores de cabeça e tonturas que não o deixavam levantar-se. Não conseguia comer. Não lhe saía da ideia a rosa talvez já definhada. Só não sabia se a doença tinha sido contagiada pela rosa decadente, ou se era falta do aroma espargido pelas demais seis rosas deslumbrantes.

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