Noiserv, “Sete”, in https://www.youtube.com/watch?v=KAOZqCiMejQ
§1
A avenida extensa, descendo para o leito do rio seco. A aridez
da avenida apenas interrompida por sete bem contadas brancas rosas abotoadas em
canteiros que ninguém plantou.
§2
Contava as rosas de cada vez que descia a avenida – e eram
tantas as vezes, quase todos os dias. A cada contagem, sempre sete. Imaculadamente
brancas, com um esplendor que era a antítese da luz baça daquele lugar com a
monotonia de um deserto. Um dia, saiu do carro. Não era atitude sensata: o trânsito
era intenso e os automóveis viajavam depressa. Tinha de ver as rosas de perto.
§3
Atravessou a avenida para chegar aos canteiros por ninguém
plantados no separador central, onde vicejavam as rosas flamíferas. Cheirou uma
das rosas. A rosa encolheu-se. Estranhou. As rosas tinham como habitat a poluição combinada dos automóveis
a alta velocidade e da constante bruma quente que parecia meter um garrote na
respiração das pessoas. Mesmo assim, a rosa encolheu-se ao sentir o seu arfar bisbilhoteiro.
§4
As rosas interrompiam o marasmo da paisagem desértica. Era
a única vegetação num raio de quilómetros. Um dia perguntou-se se não seria por
isso que achava as sete rosas encantadoras – elas derrotavam a emaciação
daquele lugar. Mas não era só isso. As rosas estavam enraizadas num solo seco, árido,
num lugar onde (diziam as estatísticas meteorológicas) chove quatro dias por
ano. Os fenómenos, geralmente, cativam a atenção das pessoas.
§5
No outro dia, voltou ao separador central da avenida para
nova visita às rosas. Era um dia de calor ainda mais insuportável do que o
habitual. Queria recolher um naco de perfume de uma das rosas; podia ser que
esse aroma se tornasse perene, para contrastar com o cheiro nauseabundo que
enxameia a cidade onde a salubridade não foi arranjada. A rosa já não se
encolheu. Deixou-se cheirar. Seguiu para a rosa vizinha. Também não se encolheu
– e o aroma era igual ao da primeira rosa. Percorreu todas as sete rosas. Só uma
tinha um aroma desmaiado. Podia ser uma rosa diminuída. Ou uma rosa doente.
§6
Nos dias seguintes, não houve uma vez que não atravessasse
a avenida concorrida. Ficou preocupado com a rosa que podia estar doente. Confirmou.
A rosa estava a murchar. A sua cor já não era o branco luminoso das rosas
parceiras. Desviou o olhar para as demais rosas. Existirem naquele lugar inóspito
era sortilégio. Tinha de contactar um amigo dos bancos da escola, que depois se
especializou em botânica, para lhe dar conta do fenómeno. Se a rosa murcha
perecesse, as outras seis reuniriam a sua força extinta.
§7
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