21.9.16

A festa da insignificância

Black Rebel Motorcycle Club, “Lose Yourself”, in https://www.youtube.com/watch?v=D4QAdJ4ei7E
Vamos levar às costas a beleza das coisas mundanas. Vamos levá-las pela rua fora, contra as palavras irredutíveis dos maldizentes, contra as marés que se componham dominantes, contra os esgares de reprovação dos muros sublimes da sacrossanta moral.
Vamos fazer um elogio sentido das coisas insignificantes. Temos de coser as pontas de um começo. Para depois aportarmos a um lugar mais ousado, onde as empreitadas têm outro pergaminho. Mas temos de começar pelo rudimentar. Temos de começar a levantar os esteios que seguram as fundações. Podem dizer, os distraídos, que são coisas frívolas: não ficam à mostra quando a empreitada estiver acabada. Estão enganados. Embora estejam os alicerces ocultados pelo exterior em que a empreitada se transformou, sem eles não há amparo para a mesma. São coisas erradamente tidas como fúteis. Porque não paramos de nos extasiar com a capa fina das coisas na sua roupagem exterior – ensina a (dizem) imperativa socialização. São tidas como a ossatura de tudo, sem se saber que não passam de uma crosta que enfeita a empreitada.
Se os esteios são a insignificância a que não tem provimento dar conforto, não sejamos modestos na hora de consagrar as coisas insignificantes que são nosso húmus. Essas e as demais irrelevâncias, depressa contaminadas pelo sopesar presciente de ladinos intérpretes do que importa emprestar zelo. Insisto: rumemos contra a maré estabelecida, deixemos os critérios assertivos na boca inflamada dos pujantes detetores de verdades, das verdades insofismáveis.
Se tivermos de fazer um pax de deux, ou escrever um manifesto a escorregar para o surrealismo, ou meter pelos caminhos imperscrutáveis de uma floresta até a uma lagoa perdida, ou ensinar aos pássaros como nadar no mar fértil, ou descarregar a baioneta de flores sobre as ruas desertas – deixemo-nos apoderar pela doce loucura que festeja a insignificância. Pois sabemos celebrar. E sabemos o que celebrar. Sem nos empenharmos no lugar-comum das festividades que dão norte às grandezas como tal vulgarizadas. Pois, de tão banalizadas, perdem a espessura de grandezas. Elas sim, tornam-se as coisas banais que se esvaziam por dentro dos lugares-comuns em que se transfiguram. Se deitamos palmas às coisas tomados por insignificâncias, é uma valentia que só nos diz respeito. E isso é tudo o que importa.

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