Underworld, “Nylon Strung”,
in https://www.youtube.com/watch?v=SHhCiu5JA3g
Nunca olhava para o chão. Não o admitia perante os
outros: tinha uma fobia com os pés e com os sapatos (porque os sapatos
acobertavam os pés). Quem o visse, di-lo-ia altivo. Exibia um andar empolado, vaidoso,
o nariz sempre afinado por um quadrante acima de planos a ele horizontais. Outros,
di-lo-iam cabeça no ar, pois o ar azamboado quadrava com um princípio geral da
distração.
Não era uma coisa nem a outra. Teimava em nunca olhar
para o chão quando ia pelas ruas fora. No seu íntimo arregimentava as vantagens
de tal procedimento: não padecia de um mal usual dos nativos de uma cidade: de
tão habituados às ruas que repetem vezes sem conta, não inquirem o olhar para
planos mais elevados e falham lugares pitorescos na cartografia dos edifícios. Estão
em contravenção com a cidade que conhecem pela rama. Perdem em conhecimento
para os turistas que, desconhecedores da cidade, convocam a sede de
conhecimento e erguem o olhar para os planos elevados, travando conhecimento
com os edifícios que merecem uma medalha em concursos de arquitetura.
Era um pouco como um forasteiro na sua própria cidade. Mas
a fobia dos pés (e dos sapatos) era uma coisa militante, impregnada no mais
profundo de si. Ganhou resistência ao olhar taciturno pelas experiências que
foram seu trauma. No verão, os pés horríveis à mostra dentro de chinelos, compondo
par inestético. Fora do verão, sapatos às vezes rotos, sapatos às vezes sujos,
sapatos às vezes também inestéticos, sapatos às vezes combinando várias
daquelas hipóteses. Conseguiu omitir a origem do trauma com um método seguido
com diligência: “a bem dizer” –
interiorizou – “as pessoas não têm os pés
(ou os sapatos) como idiossincrasia. Não é o seu cartão de visita. Para o
acharmos” – concluiu a interiorização – “temos de desviar o olhar mais acima”. Às vezes, bem acima da
horizontalidade medida pelos olhos, quando pela frente nos surgem as pessoas grandes
(que, todavia, não são necessariamente as grandes pessoas).
E assim deu conta que a mira alta era terapêutica.
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