30.9.16

O inteligente chamado à mesa do príncipe

The White Stripes, “I Just Don't Know What to Do With Myself”, in https://www.youtube.com/watch?v=fC7PEQnjKl4
O príncipe, terminado o momento solene da contratualização do matrimónio perante zelosa funcionária do registo civil, entrou triunfal na sala que ia acolher a boda (no que ao repasto opíparo concerne). Sentou-se no lugar centrípeto da que chamou “mesa presidencial” (o que quadra mal com o rótulo de príncipe) e chamou-o para a sua direita. Porque “gosta de conviver com pessoas inteligentes” – disparou, atirando a pança avantajada para fora com ar de quem tem o rei na barriga (o que quadra mal com o epíteto de “mesa presidencial”).
Ele, que no seu íntimo até podia ser convencido que tinha um módico de inteligência, sentiu-se ofendido. Duplamente ofendido. Pelos demais, que estavam a ser exauridos de inteligência pelo príncipe consorte da presidencial mesa. Mas ofendido também por ele: pela humilhação do deposto residente da presidencial mesa, que a abandonou cabisbaixo e em silêncio (terá ficado a saber que não integrava o mundo dos inteligentes); e por ele, em sentido próprio: sentia-se como um extravagante bobo da corte, a quem era facultado o privilégio de amesendar na mesa destinada ao príncipe, porque os (pelo príncipe reconhecidos) seus dotes de inteligência emprestavam uma distinção especial à mesa presidencial.
Talvez o príncipe, em pessoa, não tenha dado conta do passo em falso: ao admitir que gostava de conviver com pessoas inteligentes, deixou nas entrelinhas uma verdade crua: a inteligência não era seu predicado. Pois, de outro modo, não precisava de berrar em público, qual bardo ébrio antes do tempo, que faz gala em partilhar a companhia de pessoas inteligentes. Quem precisa de o dizer é porque se sente três degraus (pelo menos) abaixo de quem é eleito para companhia segundo o critério da inteligência.
Pobre e mal-amanhado príncipe, que juntando toda a bazófia nem se lembrou que esposara uma consorte com o mesmo direito à festividade. À consorte esposada destinou a indiferença que germinava da sua mais do que presuntiva estultícia.

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